PSOE, do presidente de Governo Sánchez, oferece o posto de vice ao líder do Unidas Podemos, Pablo Iglesias. Ainda será preciso, no entanto, obter apoio de outras siglas
CARLOS E CUÉ, JOSE MARCOS GARCIA | EL PAIS
MADRI - O que foi impossível durante seis meses se desbloqueou em menos de 48 horas. Dois dias após as eleições espanholas de domingo, em que o Partido Socialista dos Trabalhadores da Espanha (PSOE) buscava maioria para comandar o país, mas acabou permitindo a explosão da extrema direita, o primeiro-ministro em exercício, Pedro Sánchez, fechou nesta terça-feira um acordo para formar um “Governo de coalizão progressista” com o Unidas Podemos.
Com o acerto, Pablo Iglesias, do Podemos, será o vice-presidente de Governo (ou vice-primeiro-ministro). A repetição das eleições, a segunda realizada na Espanha neste ano, forçou Sánchez a aceitar as premissas de Iglesias, que avisou que sua retirada, em julho, de negociações para uma coalizão de esquerda não valia se houvesse um novo processo eleitoral.
Sánchez, que estava convencido de que melhoraria sua posição com novas eleições, acabou perdendo força e teve de ceder. O pacto ainda não está fechado, porque agora é preciso convencer os outros parceiros. Para que esse novo Governo seja empossado, será preciso buscar o “sim” do Mais País, Partido Nacionalista Basco (PNB), Partido Regionalista da Cantábria (PRC), Bloco Nacionalista Galego (BNG) e Teruel Existe, e ainda assim tudo dependeria da abstenção da Esquerda Republicana da Catalunha (ERC) e da aliança basca Bildu, que sempre optaram por esse voto. Se não quiser depender desses apoios, o Partido Socialista Operário Espanhol (PSOE), de Sánchez, precisará convencer o Cidadãos a se abster.
Sánchez compareceu por volta das 14h30 ao Congresso com o líder da Unidas Podemos para explicar os detalhes desse pacto. Ao fim do encontro, e depois de seis meses de duros embates, os dois líderes trocaram um simbólico abraço e a sala, cheia de dirigentes dos dois partidos e de jornalistas, explodiu em um “oooooooh” quase zombeteiro. Sánchez se negou durante meses a aceitar que membros do Podemos, e particularmente Iglesias, pudessem estar em seu Governo. Durante a campanha eleitoral, repetiu isso muitas vezes. Mas os dois partidos perderam votos na votação de domingo, e isso tornou todos mais flexíveis, porque em uma nova repetição das eleições Sánchez correria o risco de perder o Governo.
O fiasco da repetição eleitoral, que teria sido evitado se este acordo tivesse sido alcançado em julho, tornou a negociação, subitamente, muito simples. “É hora de deixar para trás qualquer recriminação”, disse Iglesias. “Os espanhóis falaram e corresponde a nós superar o bloqueio. Não conseguimos obter este acordo [em julho], embora estivéssemos muito perto. Temos consciência da decepção que isso significou para os progressistas”, justificou-se Sánchez, que fez assim uma retificação completa de sua posição inicial, forçado pelo resultado eleitoral. A situação agora é pior que a de julho, porque ambos têm, ao todo, 10 cadeiras a menos e precisam do apoio de mais forças do que antes, mas existe uma maioria possível que precisará ou não da abstenção da ERC e da Bildu em função do que fizer o Cidadãos, que o PSOE tentará convencer a pelo menos se abster.
Sánchez e Iglesias assinaram um documento com as bases do pré-acordo, antecipado pelo eldiario.es: trata-se de um texto com ideias muito gerais sobre “a proteção dos direitos sociais”, que não traz a divisão de vice-presidências e ministérios. No documento também não aparece explicitamente a possibilidade de reverter os aspectos mais nocivos da reforma trabalhista −que os dois partidos propunham em seu programa para as eleições de domingo passado− ou o aumentos de impostos que os dois partidos pactuaram há alguns meses, embora as duas ideias estejam esboçadas no documento. Algo que o texto promete explicitamente é procurar “garantir a convivência na Catalunha”, destacando o objetivo de “fomentar o diálogo” e “fortalecer o Estado das autonomias”.
Sánchez ressaltou, na assinatura do documento, que o objetivo é “desbloquear a situação política, que está travada há muitos meses na Espanha”. Iglesias qualificou o “Governo de coalizão progressista” como “a melhor vacina contra a extrema direita”, e adiantou que as duas forças buscarão “alianças com outros partidos” para ter maioria. Depois do apertão de mãos com Iglesias, Sánchez afirmou que o pacto permitirá “não só a posse, mas um Governo para toda a legislatura”. O chefe de Governo em exercício iniciará imediatamente uma rodada de contatos políticos.
O PSOE e a Unidas Podemos somam 155 das 350 cadeiras do Legislativo – para formar a maioria, são necessárias 176. É muito provável que possam aderir ao acordo os sete deputados do PNB, os três de Mais País-Compromís −que já manifestou interesse em fazer parte desse pacto−, um do Bloco Nacionalista Galego, outro do Partido Regionalista da Cantábria e um último do Teruel Existe. Ao todo, somariam 168 deputados. Para Sánchez ser empossado em segunda votação seriam necessárias várias abstenções. As dos 13 deputados da ERC e dos cinco da Bildu bastariam para desbloquear a situação. As hipotéticas abstenções dos 10 parlamentares do Cidadãos não seriam suficientes se não entrarem nessa fórmula os independentistas catalães ou bascos. Estes últimos, que agora passaram a ter cinco deputados, sempre se abstiveram.
Os contatos entre os líderes do PSOE e da Unidas Podemos começaram na noite de segunda-feira com discrição máxima. Depois, assumiram as rédeas das negociações as respectivas números dois, a socialista Adriana Lastra e a dirigente da Unidas Podemos Irene Montero. Só no final da manhã desta terça-feira, quando o pré-acordo já estava encaminhado, os socialistas divulgaram um comunicado para anunciar a reunião entre Sánchez e Iglesias. Posteriormente, fontes do partido confirmaram o acordo, que tinha sido impossível depois das eleições de 28 de abril.
Fontes socialistas explicaram que depois do pacto com o Podemos haverá contatos com outras forças políticas que apoiaram no ano passado a moção de censura contra Mariano Rajoy, o que levou Sánchez ao poder. Na manhã desta terça, o presidente do PNB, Andoni Ortuzar, mostrou-se partidário de recuperar o bloco de aliados da moção, que incluiria os independentistas catalães.
Depois das eleições de domingo, Iglesias insistiu na formação de um Governo de coalizão como única saída para o bloqueio político. O PSOE já havia deixado na segunda-feira a porta aberta para uma coalizão com a Unidas Podemos, segundo declarações do secretário do partido, José Luis Ábalos. A prioridade dos socialistas seria reeditar, ampliado, o acordo em torno da moção de censura, com o PSOE e a Unidas Podemos à frente de outros partidos, como o Mais País e vários nacionalistas e regionalistas. Embora Ábalos não tenha deixado clara a fórmula, se o acordo vingar, ressoará assim um dos mantras de campanha de Pablo Iglesias: “As coisas importantes nem sempre são conseguidas de primeira”.
O líder do Partido Popular, Pablo Casado, já informou a seus líderes sobre o pré-acordo entre PSOE e Podemos durante a reunião do comitê executivo nacional, realizada em Madri. Esse anúncio freou o debate sobre a estratégia a ser seguida pelo PP e os possíveis cenários. Até o momento, só o ex-chanceler José Manuel García Margallo tinha apostado por uma grande coalizão de constitucionalistas. Fontes do PP assinalam que o pré-acordo entre Sánchez e Iglesias os libera da pressão e que exercerão uma oposição responsável. O PP, insistem, é “a única alternativa” a Sánchez.
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