- Valor Econômico
Debate sobre PEC da segunda instância trava pacote
A sensação é de déjà vu. Sempre que existe a possibilidade concreta de reformar o Estado, reduzir a estrutura da máquina pública federal e acabar com privilégios parece que surgem fatos ou personagens capazes de dar nova turbidez ao ambiente político. De súbito, trava-se a tramitação desse tipo de projeto enviado pelo Executivo ao Congresso. A vítima da vez pode ser o novo pacote do governo.
A proposta de reforma da Previdência do presidente Jair Bolsonaro vinha passando relativamente incólume por esse tipo de contingência.
Ela enfrentou uma tramitação mais longa do que o ideal, mas foi habilidosamente conduzida até sua promulgação. Será capaz de garantir um efeito fiscal robusto, mesmo com o Congresso rejeitando, num primeiro momento, a inclusão de Estados e municípios.
O mais novo obstáculo à agenda legislativa da equipe econômica começou a ganhar forma na semana passada, praticamente ao mesmo tempo em que o Executivo enviava ao Legislativo um conjunto de iniciativas com a finalidade de reorganizar o Estado. Além de propor um novo pacto federativo, abriu-se a possibilidade de os gestores públicos terem mais flexibilidade no uso dos recursos orçamentários, o que hoje é impossibilitado pelo excesso de despesas obrigatórias. As medidas também preveem regras de acionamento de gatilhos para a contenção de gastos.
No entanto, enquanto as articulações para a tramitação desse pacote começavam a ser alinhadas, o Judiciário concluía também sua própria reforma. Esta sobre seu entendimento a respeito da constitucionalidade da prisão após condenação em segunda instância.
A discussão da questão é mais do que legítima. O problema, contudo, foi a sua personificação na figura do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. E como esperado, tão logo foi liberado Lula atacou a política econômica e o programa de privatizações do governo.
As corporações já haviam sinalizado a judicialização da reforma da Previdência. Fatalmente, devem fazer o mesmo para tentar evitar a metamorfose e a racionalização das carreiras do funcionalismo público. Ainda mais agora que receberam o reforço providencial do ex-presidente Lula. Além disso, a divulgação da proposta de reforma administrativa do governo ficou para os próximos dias, o que dará ainda mais tempo para a organização do que petistas e demais partidos de esquerda já começam a chamar de “resistência”.
A esquerda não saiu unida das eleições, mas não tem nada a perder se lutar de forma coordenada para evitar o sucesso do governo. Não terá dificuldades para encontrar aliados ao centro, onde muitos partidos passaram a adotar um discurso voltado ao social como forma de se contrapor ao presidente Jair Bolsonaro.
No entanto, mais do que danos eleitorais de médio prazo, a decisão causou um risco imediato à agenda econômica do ministro Paulo Guedes. A libertação de Lula catalisou reações instantâneas no Congresso, com a desorganização da pauta e a inversão de prioridades. No lugar das PECs do pacote, foram as propostas que visam reverter a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) que ganharam novo impulso. O sinal trocado veio até mesmo de lideranças governistas, para as quais é hora de o Parlamento mostrar que não sabe apenas ser protagonista na condução da agenda econômica.
A decisão de Bolsonaro de mudar de partido político também não ajudou. Sem o apoio do presidente da República, os parlamentares que decidiram permanecer no PSL precisaram arranjar novas bandeiras. Afinal, precisam, a qualquer custo, manter a imagem positiva entre o eleitorado antipetista.
Ironicamente, coube ao deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), um líder que conduz apenas parte da própria bancada, mostrar que a obstrução ao novo pacote, além de prejudicial à agenda econômica, é pouco eficaz do ponto de vista regimental.
Como resultado, enquanto parlamentares deixam em segundo plano a pauta que importa de fato para o Brasil, Lula percorrerá o país maldizendo a reforma administrativa, praguejando o plano do governo de desindexar e desvincular o Orçamento. As privatizações, que já vinham sofrendo resistências em alguns setores do Parlamento, dificilmente serão discutidas com a frieza e a objetividade necessárias.
Até agora, a Câmara dos Deputados tendia a ser um terreno mais amigável às propostas de privatização em formulação no governo. No Senado, as resistências já são maiores, sobretudo à ideia do Executivo de fazer a venda de ativos em bloco por meio do chamado “fast track”.
Alguns números podem explicar os motivos. Atualmente, há 208 estatais federais - 46 sob controle direto e 162 indireto - com cerca de 480 mil funcionários em várias unidades da federação. Segundo o Ministério da Economia, já houve uma redução de 9.048 pessoas no quadro das estatais até junho de 2019, em comparação com o ano passado. O mercado de trabalho de vários Estados pode ser atingido, isso sem falar na redução da influência do meio político sobre o processo decisório da máquina estatal federal.
O ministro da Economia gosta de citar autores clássicos para explicar essa transição que o Brasil começa a trilhar. Segundo ele, o país deve deixar o aparato de Estado descrito por Thomas Hobbes para se transformar no Estado idealizado por Jean-Jacques Rousseau. O primeiro, estruturado a partir de um poder central com a função de investir em infraestrutura material, por meio de empresas estatais e bancos públicos. O segundo seria voltado a atender a aspirações sociais como saúde e educação. Um com vocação absolutista, o outro mais preparado para atuar num regime democrático.
No Brasil, no entanto, esse processo vem sendo longo e tortuoso. Historicamente apresenta muitas idas e vindas, além dos já conhecidos sobressaltos que interessam mais a seletos grupos do que à coletividade.
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