- Valor Econômico
Conflito comercial entre Estados Unidos e China e a incerteza na Argentina estão entre as razões da redução da mediana das previsões de crescimento do PIB em 2020
O PIB cresceu, na média, pouco mais de 2% ao ano nas últimas quatro décadas, sendo mais de 60% dessa expansão devidos à ampliação da população ocupada. Como o bônus demográfico está próximo do fim, o crescimento do PIB dependerá exclusivamente da ampliação dos investimentos e da alta da produtividade do trabalho. A questão é que essa produtividade cresceu, na média, apenas 0,2% ao ano nesse período e não há nenhuma razão plausível para sua forte aceleração no curto prazo.
Desde 1995, houve cinco ciclos de crescimento econômico (setembro de 96-dezembro de 97, junho de 99-março de 2001, dezembro de 2001-dezembro de 2002, setembro de 2003-setembro de 2008 e junho de 2009-março de 2014), com duração de, respectivamente, 6, 8, 5, 21 e 20 trimestres e expansão média por trimestre de 1,1%, 0,9%, 1,1%, 1,3% e 1,0%. A retomada após a recessão de 2015 e 2016 totaliza 10 trimestres (março de 2017-junho de 2019), com crescimento anual do PIB de cerca de 1% em 2017, 2018 e 2019. Por ora, a expansão acumulada neste ciclo até o 2º trimestre foi de 3,7%, com o consumo das famílias crescendo 5,1% e os investimentos 8,6%. A expansão trimestral média nesses 10 trimestres foi de 0,4%, baixa frente ao 1,1% entre set/03-dez/05 e ao 1,5% entre jun/09-set/11.
A dinâmica desfavorável no 1º semestre, o conflito comercial entre Estados Unidos e China e a incerteza na Argentina estão entre as razões da redução da mediana das previsões de crescimento do PIB em 2020 de 2,5% para 2% nos últimos meses. Há diversos fatores que indicam que esse crescimento pode ser ainda menor:
• Uma maior desaceleração global, em particular da China e dos Estados Unidos, pode reduzir ainda mais a contribuição do setor externo para o crescimento.
• A consolidação fiscal continuará contraindo os gastos do governo e reduzindo a contribuição do setor público para os investimentos.
• Os leilões de petróleo da semana passada fracassaram na atração de investimentos estrangeiros. O resultado sugere uma baixa atratividade dos investimentos de longo prazo mais vultosos e uma fragilidade operacional do governo em não antecipar e eliminar obstáculos ao sucesso do leilão. Isso desestimula a aceleração econômica nos próximos trimestres.
• O Indicador de Custo do Crédito dos recursos livres do BC - razão entre o volume de juros no serviço da dívida e o saldo da carteira - recuou pouco, de 33% em 2018 para 32% no 3º trimestre. Essa dinâmica não é compatível com forte aceleração da demanda por empréstimos. Do mesmo modo, a alta da inadimplência nos bancos no 3º trimestre sugere maior cautela na oferta de financiamentos.
• O endividamento das famílias como proporção da massa salarial aumentou do seu mínimo neste ciclo de 41% para 45% em setembro. A trajetória sinaliza que a demanda por crédito não tende a acelerar muito nos próximos meses, enfraquecendo a perspectiva de forte ampliação do consumo das famílias em 2020.
• A elevação da massa salarial tem diminuído gradualmente. A lenta redução da taxa de desemprego para 11,8% em setembro deve-se ao aumento dos postos de trabalho informais e por conta própria, posições mais frágeis e com menores rendimentos. Esse comportamento dificulta a aceleração da demanda agregada.
• As ótimas propostas de ajuste encaminhadas pelo governo ao Congresso não avançarão de forma tão célere quanto preconizado pelo governo e por lideranças do Congresso. Além de controversas em vários aspectos, essas propostas englobam temas com sólidos interesses contrários por parte de grupos beneficiados por privilégios e renúncias tributárias.
Por outro lado, houve recente aumento do otimismo sobre a atividade, em função de fatores que podem contribuir para um maior crescimento do PIB em 2020:
• A resolução do conflito comercial entre os EUA e a China tende a reverter o recente corte das projeções.
• A taxa Selic em termos reais recuou para o seu mínimo histórico. A elevação do consumo das famílias e dos investimentos pode ser mais robusta do que o embutido nas previsões, por conta de um maior efeito da manutenção de juros tão baixos por um período longo na economia.
• A ampliação do consumo das famílias neste trimestre e no próximo pode elevar a confiança de consumidores e empresários e estimular a expansão da atividade nos trimestres posteriores. Modelos da Macro Capital estimam que uma sustentação da aceleração do consumo das famílias ampliaria o crescimento dos investimentos em 2020.
• Um aumento da liberação de recursos do FGTS por beneficiário dos R$ 500 propostos pelo governo para R$ 998 conforme redação em tramitação no Congresso elevaria o crescimento do PIB neste trimestre e no 1º trimestre de 2020 para um valor maior do que as projeções correntes. A estimativa de liberação de recursos do FGTS e do PIS/Pasep (R$ 42 bilhões) e da concessão de 13º salário da Bolsa Família (R$ 3 bilhões) pode aumentar para R$ 65 bilhões, caso o saque individual aumente.
• Uma aceleração do crédito bancário livre muito além da expansão observada em setembro - 16% para pessoa física e 9% para pessoa jurídica frente a set/18 - estimularia mais a demanda doméstica do que o previsto.
• Uma maior disseminação no país do aumento de lançamentos na construção civil, muito concentrados ainda em São Paulo, incentivaria os investimentos mais do que embutido nas projeções do setor.
• A rápida aprovação de parte relevante dos projetos apresentados pelo governo na semana passada pode acelerar a atividade. Embora os benefícios diretos em termos de alta do crescimento potencial tenham um prazo de maturação mais longo, uma aprovação ágil elevaria a confiança da sociedade e fomentaria a absorção doméstica.
A incerteza sobre a atividade no próximo ano continuará alta até o próximo semestre. O governo e o Congresso podem contribuir para reduzir os riscos e confirmar a projeção do FMI de que o Brasil será um dos poucos países com crescimento do PIB em 2020 superior ao deste ano. Essa atuação melhoraria as condições de negócios, a sustentabilidade fiscal e a confiança na economia, ampliando a possibilidade de uma maior aceleração do PIB no curto prazo.
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