sábado, 7 de dezembro de 2019

Ascânio Seleme - Witzel não é Mujica

- O Globo

Se o político for honesto, jamais ficará rico com o exercício de seus mandatos

O governador Wilson Witzel tem razão quando reclama do baixo salário que recebe. São R$ 20 mil brutos, pouco para o tamanho da responsabilidade que exerce. Entretanto, a ideia que teve para aumentar seus rendimentos, revelada pela repórter Bela Megale, é absolutamente esdrúxula. Witzel gostaria de advogar nos momentos livres. Não dá. E não dá por quê? Primeiro, porque governador, sobretudo de um estado como o Rio, não tem tempo livre. Segundo, porque abriria o balcão de negócios e por aí poderiam entrar propinas lavadas devidamente.

O advogado-governador seria contratado por todos os picaretas da praça para fazer nada, apenas para receber um adicional salarial. E, claro, os seus novos patrões acabariam cobrando a conta. Aliás, escritórios de advocacia são muito usados para finalidades escusas de gestores públicos. Este foi o caso, por exemplo, de Adriana Ancelmo, mulher do ex-governador Sérgio Cabral, condenada por usar o escritório para lavar dinheiro de propinas para o marido.

Mas salário de R$ 20 mil é mesmo baixo diante da encrenca que um governador tem que enfrentar nas 24 horas do dia. Aliás, presidente, governador e prefeito não têm folga, exercem suas funções todos os dias dos quatro anos para os quais foram eleitos. Alguém pode levantar o braço e dizer: “Espera aí, 20 mil é muito dinheiro”. Pode ser, mas vai ver no mercado quanto ganha alguém que controla um orçamento como o do Estado do Rio, com o aperto de caixa que se conhece, tentando encontrar soluções para seguir vivendo.

Não estou defendendo Witzel. Tampouco estou afirmando que seu trabalho é bom ou correto. Estou dizendo apenas que seu salário é baixo, como é baixo o de Bolsonaro e o de Crivella. Em São Paulo, o prefeito Bruno Covas ganha R$ 18 mil líquidos ao final do mês. E ele administra uma das maiores e mais complexas cidades do mundo. Nenhum gestor de empresa brasileira, nem mesmo das gigantes Petrobras e Vale, tem que lidar com a diversidade de problemas de Covas e tampouco guardar sob si tamanha responsabilidade.

Witzel não é nenhum Mujica, o ex-presidente do Uruguai que sempre morou numa chácara simples comprada com seu próprio dinheiro e jamais sonhou com um tríplex na praia e poucas vezes tirou dos pés suas sandálias de couro. Como a maioria dos brasileiros da sua idade, o governador tem ambições e necessidades que custam dinheiro. Tem filhos em idade escolar, que representam custos altos, e deveria zelar pelo seu futuro, tentando formar um fundo suficiente para pagar pelo menos um plano de saúde quando estiver no sereno.

Se o político for honesto, jamais ficará rico com o exercício de seus mandatos. Com o salário que recebe, conseguirá quitar as contas do mês, mas não terá como poupar. Muito provavelmente também não conseguirá pagar um plano de aposentadoria complementar. Ao terminar sua carreira, terá de montar escritório, fazer palestras, enfim, permanecer trabalhando para pagar boletos que continuarão chegando em sua caixa postal.

Claro que sendo um bom político, um bom governador, um bom presidente, deputado ou senador, terá uma carreira privada bem lançada. Mas será que é isso mesmo que se espera dele, uma carreira privada depois do tempo dedicado ao serviço público? Sem contar que, se tiver sido bom, terá durado e estará velho quando deixar a política. Alguém consegue imaginar Leonel Brizola trabalhando num escritório de engenharia depois de ter sido governador do Rio Grande do Sul e do Rio?

Há quem diga que política é altruísmo. Que a pessoa que se dedica à política não pode ter as ambições comezinhas do cidadão médio. Há mesmo quem defenda que político não deve ter sequer salário. E há os que apresentam como exemplos a serem seguidos os mandatários escandinavos, que vão de bicicleta para o trabalho. Muito bem, só que Brasil não é Suécia. Mas concordo que política é dedicação a uma causa, como o jornalismo.

Pode-se dizer também que a maioria dos brasileiros ganha menos que o governador do Rio e o prefeito de São Paulo. Não tenho como discordar. Também não discordarei de quem disser que o estado é pobre e tem que pagar salários que seu caixa puder suportar. Tampouco ignoro o efeito cascata que se produz sobre os salários dos servidores quando se aumenta uma função no topo da pirâmide. Mesmo assim, não posso discordar de Witzel. Seu salário é baixo para o trabalho que exerce.

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