- O Globo
A histeria lavajatista sobre a implementação do juiz de garantias —ótima figura jurídica — em nosso ordenamento ocultou outros pontos relevantes, aperfeiçoados ou incluídos pelo Parlamento, e sancionados pelo presidente, no chamado pacote anticrime; sobretudo aqueles ligados ao instrumento da colaboração premiada, ferramenta importante, mas cuja juventude, legislação nascida em 2013, merecia alguns graus de maturidade.
O pacote os trouxe. Não o proposto por Sergio Moro, esvaziado também com a intenção política de lhe diluir a identidade do ex-juiz. Mas o costurado pelo Congresso e chancelado por Jair Bolsonaro, um bom conjunto, que impõe necessários limites à lei de delações. Por exemplo: que depoimentos de delatores não possam, per si, sustentar medidas cautelares nem denúncias.
É sabido que houve excessos nos usos desses conteúdos delatados, sem qualquer outro elemento de corroboração, para colocar indivíduos —não interessa o quão criminosos — na cadeia. É sabido que muitas investigações se acomodaram — como que apoiadas numa muleta — na palavra de um (encrencado, em busca de se safar) contra outro (não raro nem sequer investigado), disto resultando fragilidades nas acusações.
“Ah! Mas isso é um ataque ao combate à corrupção! Vai acabar com a Lava-Jato”.
É o escambau! Basta deste embuste de ouvir —toda semana —que qualquer mudança proposta pelo Parlamento bota em risco a luta contra a corrupção. Isso virou um mantra de fanáticos que outra coisa não fazem senão defender a estrutura do próprio poder. Ouço esse papo, de Lava-Jato ameaçada, desde 2014 —e nunca o combate à corrupção retrocedeu.
O lavajatismo não dita —não pode ditar — o ritmo da vida pública neste país. Não pode controlar nossos humores. Não pode — porque popular —raptar a independência da imprensa. E não se pode admitir a retórica influente de que fazer críticas —ainda que as mais duras — aos operadores da Lava-Jato equivalha a ser a favor da corrupção. O que é isso? Estamos criando uma casta de intocáveis?
Os diálogos revelados pela Vaza-Jato estão aí para lembrar que não há santos nesta ceia. Nem Moro. Se a entrada da figura do juiz de garantia em nosso ordenamento, já prevista no texto do novo CPP, foi acelerada —e foi — como reação política ao tipo de magistrado que ele representa, aquele que se associa à acusação, e se essa pancada no hoje ministro foi avalizada, conscientemente, pelo chefe presidente, problema deles. Isso não desqualifica o instrumento, ainda que haja problemas na forma de implementação e dúvidas sobre sua regulamentação.
Valerá para processos em curso? Não deveria. Sendo, de todo modo, desonesto intelectualmente sair gritando — com base no que ora há —que a mudança atenderá aos interesses de Flávio Bolsonaro. Pode vir a atender?
Mais provável é que não. Fiquemos em estado de alerta.
É desonestidade intelectual, porém, deparar-se com uma figura como a do juiz de garantias e —com fundamento nessas pendências — sair bradando que representará um abalo na guerra contra a corrupção. Quero saber por quê. Por que atrapalharia o advento de um magistrado que controle o processo — ministrando diligências e cautelares — para assegurar que direitos não sejam violados? Só atrapalharia a quem quisesse extrapolar.
É mentira que o juiz de garantias fincaria uma nova instância na tramitação de processos. É mentira também que a defesa — que o investigado — poderia escolher o juiz de garantias que lhe acompanharia a ação. A quem interessa esse terrorismo?
O aperfeiçoamento da legislação —inclusive a relativa ao instituto da delação premiada —serve para minimizar as áreas cinzentas em que se dão abusos e onde se abrigam, portanto, as verdadeiras ameaças às investigações. Se vamos mesmo permanecer cativos do fetiche segundo o qual a corrupção é o maior problema do Brasil, que ao menos gozemos num cativeiro iluminado.
“Ah! Mas como ousa sugerir que a corrupção não é o maior problema do país!?” Não estou sugerindo. Estou afirmando. O maior problema do Brasil é o tamanho do Estado e sua ineficiência. O maior problema do Brasil é a incompetência derramada no aparelho estatal. Diminua o Estado, reduza o corpo da máquina — e também a corrupção cairá. A corrupção está na superfície da máquina pública. Diminua o Estado —e nenhuma Lava-Jato será capaz de combater a corrupção com melhores resultados.
Mas quem, entre os justiceiros alarmistas apontadores de riscos contra o combate à corrupção, muitos dos quais heróis aboletados na banha estatal, quer mesmo diminuir o Estado? Existe a indústria da corrupção, tremenda e histórica. Tanto quanto há — e cresce — a jovem indústria do combate à corrupção; que também precisa de carne.
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