- Folha de S. Paulo
Não há garantias em um regime, por isso nos resta manter marcação cerrada para autoritarismos
Nicolás Maduro é um ditador? Houve golpe na Bolívia? Gostamos de travar esse tipo de discussão em termos binários e essencialistas, mas a verdade é que a democracia é muito mais uma questão de grau do que de ser ou não ser. Não é uma coincidência que tenham se multiplicado nos últimos anos iniciativas, como Freedom House, Polity e V-DEM, para qualificar e mensurar o estado da democracia em cada país.
Nesse contexto, apenas ter uma figura como Jair Bolsonaro na Presidência já representa uma nódoa. Um país cujo chefe de Estado faz pessoalmente bullying contra jornalistas e opera para esvaziar órgãos de controle perde pontos nos quesitos liberdade de expressão e freios e contrapesos. Mas daí não decorre que a erosão democrática esteja ocorrendo em todas as dimensões e muito menos que o Brasil esteja fadado a tornar-se uma tirania.
Vale lembrar, a título de comparação, que os dirigentes que presidiram aos casos mais salientes de esfacelamento democrático, como Viktor Órban e Hugo Chávez, tiveram força para aprovar novas constituições, desenhadas especificamente para favorecê-los. Bolsonaro, neste primeiro ano de mandato, não chegou nem perto de algo assim. Pelo contrário, teve um número surpreendentemente grande de iniciativas barradas tanto no Legislativo como no Judiciário. Nunca antes um presidente viu tantas medidas provisórias caducarem nem tantos vetos serem derrubados.
Isso não é garantia de que a nossa democracia esteja segura. Quanto mais tempo Bolsonaro permanecer no poder e quanto mais apoio popular ele tiver, maior será o desgaste que ele terá condições de impor. Mas o Brasil já ultrapassou o patamar de renda e de anos de vivência democrática em que reversões completas são comuns. O que nos resta é manter a marcação cerrada para evitar que os autoritarismos do presidente se solidifiquem na legislação. Até aqui nós estamos conseguindo.
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