- Folha de S. Paulo
No primeiro ano, governo comprometeu autonomia de instituições como Polícia Federal, universidades, Ancine e institutos ambientais
Chegamos ao fim do primeiro ano do governo Bolsonaro. Quão perto estivemos de um governo propriamente iliberal?
Se olharmos para a relação entre os Poderes, notamos que o sistema de contrapesos funcionou razoavelmente. Mas, quando olhamos para a autonomia de instituições subordinadas ao Executivo, o quadro é preocupante.
Embora não tenha agido muito proativamente, o STF pode corrigir medidas de Bolsonaro como quando manteve a demarcação de terras indígenas com a Funai, quando reverteu a extinção dos conselhos participativos e quando determinou que as empresas voltassem a publicar balanços nos jornais.
No Legislativo, vimos um Congresso independente derrubando metade das medidas provisórias apresentadas por Bolsonaro. Para efeito de comparação, Temer e Dilma no primeiro ano tiveram 30% e 20% das medidas provisórias derrubadas.
Embora o Congresso esteja alinhado com a agenda de reformas econômicas do governo, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, retirou da pauta todas as propostas relativas a agenda de costumes. Além disso, a Câmara impôs mudanças expressivas à reforma da Previdência, principal iniciativa legislativa do governo.
Porém, em órgãos subordinados ao Executivo, como a Polícia Federal, as universidades, a Ancine e entidades ambientais, a degradação institucional foi notável.
Em agosto, Bolsonaro tentou interferir na designação do superintendente da Polícia Federal no Rio de Janeiro. Como a interferência tinha motivação duvidosa e incidia sobre área sensível a sua base de apoio, Bolsonaro recuou. Outras áreas não tiveram a mesma sorte.
Na cultura, Bolsonaro defendeu que a Ancine tivesse um filtro e, em seguida, suspendeu edital para filmes LGBT com recursos do Fundo Setorial do Audiovisual.
Na educação, o presidente desrespeitou a ordem da lista tríplice em 43% das nomeações de reitores de universidades dando posse a candidatos menos votados pela comunidade acadêmica. A decisão contrariou prática de 15 anos de indicar o mais votado.
No meio ambiente, o estrago foi grande. Bolsonaro mudou todo o comando do ICMBio e do Ibama, alterou a composição do Conama e inviabilizou o Fundo Amazônia. Após Bolsonaro ser multado por pesca ilegal em Angra dos Reis, o Ibama anulou a multa, exonerou o servidor que fez a autuação e estuda mudar o estatuto da reserva.
O fenômeno contemporâneo das democracias iliberais não se caracteriza por uma mudança brusca de regime, mas por uma corrosão institucional progressiva. Sobrevivemos ao primeiro ano de governo. Ainda faltam três.
*Pablo Ortellado, professor do curso de gestão de políticas públicas da USP, é doutor em filosofia.
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