- O Estado de S.Paulo
A reforma da Previdência deveria ter sido tema das eleições de 2014
A principal reforma aprovada na década começou a ser pautada por Dilma Rousseff. Em seu último ano de governo, foi ao Congresso, e conclamou: “nos cabe enfrentar o desafio maior para a política fiscal no Brasil e para vários países do mundo, que é a sustentabilidade da Previdência Social em um contexto de envelhecimento da população.” De fato, amanhã já se completam quatro anos do artigo “Um Feliz 2016 Para o Povo Brasileiro”, em que anunciara a construção de “uma proposta de reforma previdenciária, medida essencial para a sobrevivência estrutural desse sistema que protege dezenas de milhões de trabalhadores”. Anos depois, vencemos em 2019 o que Dilma chamou de desafio maior da política fiscal. A reforma foi promulgada no penúltimo mês deste ano.
A reforma já deveria ter sido tema das eleições de 2014. Mas a propaganda de João Santana para a chapa vencedora falava que direitos não seriam mexidos “nem que a vaca tussa”. Enquanto isso, o opositor falava em “rever” o fator previdenciário – sugerindo acabar com o puxadinho que controlava o gasto na ausência de uma idade mínima.
Ajustes
Já em 2014 os ajustes começaram. Há cinco anos era editada a Medida Provisória 664, que reformava a pensão por morte: seu ponto principal, contudo, foi rejeitado pelo Congresso (a redução da pensão por morte em famílias com poucos dependentes, que terminou constando da reforma da Previdência). A despesa com pensão é equivalente a quase 6 Bolsa Família no conjunto dos regimes.
Em abril de 2015, Dilma criou um fórum interministerial para analisar expressamente a sustentabilidade do sistema e suas regras de acesso, inclusive idade mínima. O fórum concluiu que deveriam ser repensados até a diferença de regras entre homens e mulheres e a previdência rural.
Já em 2016, a mensagem presidencial lida pessoalmente por Dilma na abertura dos trabalhos do Congresso colocara ao centro a reforma da Previdência, o desafio maior. Justificada pela rápida transição demográfica, que pressionava o sistema pela redução no nascimento de futuros contribuintes e aumento da expectativa de vida de beneficiários, foi assim resumida pela Presidente:
“A reforma da Previdência não é uma medida em benefício do atual governo. Seu impacto fiscal será mínimo no curto prazo. A reforma da Previdência melhorará a sustentabilidade fiscal no médio e no longo prazo, proporcionando maior justiça entre as gerações atuais e futura e sobretudo um horizonte de estabilidade ao País.”
Dilma já tinha contra si um processo de impeachment em andamento, quando decidira priorizar uma reforma complexa e pouco compreendida. “De reforma da Previdência não quero nem ouvir falar”, afirmou o presidente do seu partido.
O impeachment precedeu a apresentação da reforma, que ficou para dezembro de 2016, já sob Temer. A PEC 287 foi aprovada na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara e na Comissão Especial para analisá-la.
Mas veio o 17 de maio de 2017. Este foi um dia chave para a reforma da Previdência, apelidado no mercado financeiro de Joesley Day. A notícia de que havia uma gravação do ex-delator dono da JBS comprometendo o presidente sugeria um aprofundamento da crise política, com potencial vacância do cargo e eleições indiretas. A Bolsa perdeu 12% em uma hora. Temer se manteve, mas não havia fôlego para levar a reforma a Plenário, que teve de deliberar duas vezes sobre denúncias do Procurador-Geral da República contra o presidente. Perdemos dois anos. (Em 2019, Temer foi absolvido pela Justiça Federal, que avaliou que a transcrição do áudio bomba pela acusação não era fidedigna).
O tema enfrentou campanhas de desinformação. Meu primeiro artigo no Estado, em 2015, se chamava “O negacionismo do déficit da Previdência”. O segundo, em 2016 – “A coisa mais inesperada que acontece a um país” – desmistificava a leitura dos dados sobre expectativa de vida e a visão de que uma idade mínima era prejudicial aos mais pobres.
No novo governo, a reforma foi adiante: Bolsonaro se convenceu de sua necessidade, Paulo Guedes trouxe Rogério Marinho para tocá-la e o Ministério da Economia liderou o processo no governo (o que não era óbvio: na campanha bolsonarista o responsável pelo tema era um então desconhecido professor da Unifesp de ideias exóticas).
Os esforços desta década deixam frutos para a próxima. Impactos imediatos foram sentidos na queda do risco-país, dos juros longos, da taxa básica de juros e no rali da Bolsa. Na análise recente da XP, a reforma construiu a base para uma retomada mais forte a partir de 2020, com um “novo ciclo econômico” – marcado pela baixa sustentável dos juros. A dívida pública seria estabilizada nos próximos anos, reduzindo muito o risco de insolvência: “O Brasil não está mais quebrado e isso é transformacional.”
* Doutor em economia
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