- Valor Econômico
De 1999 para cá serviços de saúde aumentaram 374%
Superada a herança inflacionária e com os preços sob controle, pouco se fala hoje da inflação acumulada ao longo dos anos e dos seus vilões. Em duas décadas, de 1999 a 2019, porém, os preços tiveram aumento de 240% e os setores que apresentaram os maiores aumentos reais foram justamente os administrados, regulados e de segmentos onde há baixa competição.
Estudo da Confederação Nacional da Indústria (CNI) intitulado “Inflação Brasileira nas Últimas Duas Décadas” aponta que foram os preços controlados, a exemplo das áreas de saúde e educação, transportes e energia elétrica, os que mais cresceram.
A formação de preços nesses setores não obedece aos ditames da oferta e da demanda. Falhas de mercado justificariam intervenções do governo. Além do que são serviços não expostos ao comércio internacional (“nontradables”). Esse conjunto de fatores faz com que não haja um regime de competição, dando ao mercado características de oligopólio.
O estudo foi feito com base em uma longa série de dados do IPCA, que começa em agosto de 1999 - quando foram disponibilizados os preços de itens como celulares e microcomputadores - e termina em março de 2019, perfazendo 19 anos e nove meses.
O campeão de aumento de preços no Brasil, no período citado, foi a área de serviços médicos e hospitalares, setor com demanda inelástica no qual o aumento foi de 374%. Nesses, o maior controle é sobre a permissão profissional do médico, que restringe a oferta do serviço. A inovação tecnológica aumentou a competitividade das grandes empresas mas também intensificou-se a barreira de entrada de empresas de menor porte, dificultando a competição.
Energia elétrica vem em segundo lugar, com aumento de 358%. Setor administrado pelo governo que, além das suas especificidades, teve uma “quebra estrutural” na curva de preços em dezembro de 2012, quando o Palácio do Planalto editou a medida provisória 579, que pretendia reduzir em 20% a tarifa de energia. A medida, desastrada, gerou pressão sobre os preços. Somou-se a isso uma crise hídrica entre 2013 e 2014 que demandou ativação de usinas termoelétricas, cujo custo de geração de energia é muito superior às hidrelétricas, para garantir o fornecimento de energia.
Em terceiro lugar na lista dos vilões da inflação está o transporte público, que teve aumento de 352%. As concessões de transporte urbano são municipais e o setor opera em forma de monopólio ou oligopólio. O transporte rodoviário interestadual, também é parte da cesta, é regulado pela Agência Nacional de Transporte Terrestre (ANTT), responsável pelos reajustes tarifários.
Além de ter mercado protegido, o preço do combustível e as políticas públicas de passe livre para determinados grupos se refletem em aumento de preços das passagens para os demais usuários, cita a CNI.
A inflação na área da educação foi de 340% de 1999 para cá. Aqui a restrição à competição ocorre principalmente pela atuação regulatória do Ministério da Educação, que concede autorização as empresas e reconhecimento do curso. Além disso, políticas de financiamento estudantil, como o Fies, geraram pressão de demanda pelo serviço, que tem uma oferta restrita no curto prazo, contribuindo para o aumento de preços, segundo o estudo.
Nos períodos de entressafra os alimentos têm picos de preços. A alimentação básica vem em quinto lugar, com uma inflação de 292%, sendo uma exceção entre os itens que tiveram aumentos substanciais de preços, pois os alimentos não são controlados e estão expostos ao comércio externo.
A sazonalidade de alguns ítens que compõem a cesta (principalmente feijão, arroz e tomate) justificam, em parte, os picos de preços que em geral ocorrem na entressafra, no segundo semestre.
Os combustíveis, gasolina e óleo diesel -aparecem em sexto lugar com uma inflação acumulada de 279% no período. O setor opera como um monopólio da Petrobras, empresa que define os preços. Entre 2011 e 2014 os combustíveis ficaram congelados por decisão do governo federal. A partir de 2016 a política de ajuste de preço passou a acompanhar o mercado externo.
A exceção ficou por conta dos medicamentos que tiveram, nas duas décadas, aumento de 173%. Abaixo, portanto, da inflação. Esse preço é regulado pela lei 10.742/03. Entre os componentes da cesta de medicamentos estão os remédios subsidiados e distribuídos nas farmácias populares. Esses fatores explicam porque os medicamentos, mesmo sendo regulados, tiveram comportamento inferior ao da inflação.
Os ítens que acompanharam a evolução do IPCA foram habitação, recreação e lazer e cuidados pessoais. Habitação acumulou reajustes de 246%; a inflação de recreação e lazer foi 231%; e a de cuidados pessoais, de 227%.
O estudo da CNI sustenta, ainda, que os bens expostos à competição de mercado e inovação tecnológica tiveram queda de preços. Os manufaturados, por exemplo, apresentaram forte queda de preço real e, em alguns casos, nominal. Os dos televisores e microcomputadores, tiveram queda de 57% e 66%, respectivamente.
A abertura comercial aumentou a entrada de importados e a competição de mercado contribuiu para a retração de preços.
O setor automobilístico foi o que mais se beneficiou com as medidas anticíclicas que se seguiram à crise internacional de 2008/2009. A redução do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) e isenções fiscais provocaram quedas nos preços de veículos entre janeiro de 2009 e maio de 2012. Os veículos novos perderam valor real ao longo do período, dado que para uma inflação de 240% o valor de mercado dos carros acumulou crescimento de 44%.
Para o gerente executivo de Política Econômica da CNI, Flávio Castelo Branco, esses dados são a comprovação de que, a despeito de todos os problemas, “o mercado regula melhor os preços dos bens e serviços do que a intervenção governamental”. A mesma constatação pode ser feita durante os períodos em que o CIP (Conselho Interministerial de Preços) e a Sunab (Superintendência Nacional de Abastecimento) controlavam os preços do aço ao pãozinho, nos anos de 1970 e 1980.
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