- O Globo
Em 2019, políticos que desprezam os direitos humanos passaram das palavras à ação. Bolsonaro desmontou o Mecanismo Nacional de Combate e Prevenção à Tortura
“Existem, e não são poucos, os que defendem as torturas”. A frase parece atual, mas foi publicada em dezembro de 1969. Assim começava uma célebre reportagem da revista “Veja” sobre os maus-tratos a presos políticos na ditadura militar.
No texto, dois delegados defendiam a prática de espancar suspeitos para obter confissões. “É preciso muito pau em cima deles. Acho que a polícia está certa em agir assim”, afirmou Waldo Fraga. “O que se condena é a dosagem em excesso dessa violência”, disse Eldes Mesquita.
Os repórteres contaram as histórias de duas vítimas da violência oficial. Chael Schreier, estudante de medicina, militava na luta armada. Preso no Rio, levou tantos golpes na barriga que sofreu uma hemorragia interna e morreu na Vila Militar, aos 23 anos. “Ele apanhou como um cavalo”, contou um primo que viu o corpo no cemitério.
O dentista José Luís Andrade Maciel não tinha ligações políticas, mas foi confundido com um dos assassinos do capitão americano Charles Chandler. Detido em São Paulo, passou oito dias na solitária, vigiado por policiais que não o deixavam dormir. Saiu anêmico, passou a sofrer crises nervosas e foi internado numa clínica psiquiátrica. Perdeu os clientes e o consultório. “Eles estragaram nossa vida”, disse sua mulher, que estava grávida.
Na época em que a reportagem foi publicada, a censura impedia que a imprensa relatasse o que acontecia nos porões. Para surpresa geral, o general Emílio Garrastazu Medici se declarou contrário à tortura após assumir a Presidência.
Era jogo de cena, mas a “Veja” aproveitou a brecha para tratar do tema proibido.
Cinco décadas depois, o Brasil ainda convive com personagens que desprezam os direitos humanos e tratam torturadores como heróis. Em 2019, eles ganharam poder e passaram das palavras à ação. O presidente Jair Bolsonaro editou um decreto para desmontar o Mecanismo Nacional de Combate e Prevenção à Tortura. A medida está suspensa temporariamente por decisão da Justiça Federal.
A coluna volta no dia 5. Feliz Ano Novo.
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