- Valor Econômico
A baixa criação de empregos na indústria torna a aceleração da economia nos próximos meses mais incerta
O recuo da inflação nos últimos anos é atribuído a vários fatores, entre os quais a forte recessão de 2015 a 2016 e o esforço do governo de evitar a deterioração fiscal. A crise contribuiu para a redução do peso de vários canais de transmissão inflacionária, bem como para o fortalecimento do canal de demanda, da potência da política monetária e da ancoragem da inflação. O cenário para a inflação tende a continuar favorável, em linha com a projeção para 2020 abaixo do centro da meta e expectativas para os anos seguintes ancoradas a suas respectivas metas.
O comportamento benigno da inflação foi abalado neste trimestre. A projeção do Banco Central, por exemplo, aumentou de 3,4% em setembro para 4%. Essa surpresa deveu-se, principalmente, à forte alta dos preços das carnes - causada pelo choque de demanda originado pela disseminação da gripe suína na China e o abate de grande parte do seu rebanho.
O recente declínio dos preços das carnes no atacado reforçou a expectativa de transmissão desse recuo para o varejo no início de 2020. Isso explicou a pouca alteração das previsões de inflação para 2020, mesmo com o expressivo desvio neste trimestre. A reversão de parte da alta dos preços das carnes já no próximo trimestre foi incorporada às projeções. Do contrário, a memória inflacionária estimada nos modelos elevaria as previsões de 2020, em particular do início do ano. Os resultados seriam ainda maiores caso se assumissem repasse cambial similar ao de anos atrás e depreciação de R$ 4,05/US$ para R$ 4,20/US$ entre as reuniões de outubro e dezembro do Copom.
O principal risco para a inflação é de recomposição lenta do rebanho suíno na China e prolongamento do choque de demanda no Brasil. Isso pode manter os preços das carnes altos por mais tempo. Essa persistência elevaria as previsões de inflação para os próximos anos, exigindo a antecipação do aperto monetário para o início de 2021 ou mesmo 2020, conforme apreçado na curva de juros.
Os resultados recentes da atividade e emprego, em particular no segmento de serviços, confirmam a aceleração da economia no 4º trimestre, com uma expansão trimestral do PIB em torno de 0,8%. Essa dinâmica ampliou a confiança de que o crescimento de 2020 pode superar o atual consenso de 2,3%.
Essa maior confiança está em parte associada ao comportamento do crédito. Depois de crescer desde meados da década passada até 2015 (54% do PIB) e recuar até fevereiro de 2018 (46,5% do PIB), o crédito bancário voltou a aumentar, alcançando 47,6% do PIB em outubro. Essa lenta retomada deveu-se ao recuo da parcela direcionada, cuja participação no crédito total diminuiu de mais de 50% em 2017 para 43% em outubro. O crédito livre tem acelerado e superou a expansão de 13% em outubro frente ao mesmo mês de 2018. Esse movimento foi função do aumento do crescimento para pessoas físicas, que alcançou 16%, pois a expansão para pessoas jurídicas permanece em 10% há mais de 12 meses.
A aceleração do crédito livre e a ampliação das captações domésticas por pessoas jurídicas - em substituição aos financiamentos do BNDES - também contribuem para explicar o otimismo sobre o crescimento do PIB em 2020. Além disso, o endividamento das famílias e o comprometimento de renda como percentuais da massa salarial ainda continuam baixos frente aos números do passado recente. Apesar de aumentarem, respectivamente, para 45% e 21% em outubro passado, o endividamento e o comprometimento ainda são inferiores aos seus valores de 47% e 23% de meados de 2015.
Mesmo com o quadro ainda benigno no crédito, é questionável se haverá um impulso adicional para a economia advindo dos empréstimos bancários, a menos que haja uma rápida redução dos juros. Nesse aspecto, o Banco Central precisará persistir em seu esforço de regular a cobrança de juros abusivos sobre as operações mais frequentes.
A redução muito gradual da taxa de desemprego, com sua provável manutenção acima de 10% até 2022, é condizente com um ciclo de crescimento econômico mais gradual do que os anteriores. Por outro lado, há alguns indícios favoráveis. A massa salarial real aumentou 2,3% no acumulado deste ano até outubro frente a 2018, com a população ocupada (PO) crescendo 1,7% e os rendimentos reais 0,6%.
Além de superar a expansão da força de trabalho de 1,4%, o crescimento da PO apresentou seu melhor desempenho desde o início da série em 2012, apesar de a criação de novos postos de trabalho ser concentrada no segmento informal e por conta própria. No entanto, a criação líquida de 99 mil postos de trabalho formal (Caged) em novembro - 532 mil acumulados em 12 meses - trouxe alento. Caso esse comportamento seja consolidado, o declínio da taxa de desemprego será maior e de melhor qualidade, com crescente ampliação dos empregos formais.
Apesar desse desempenho induzir uma aceleração da atividade, os setores de serviços e comércio responderam por 88% da criação de postos formais nos últimos 12 meses, a construção civil por 11% e a indústria por 1,3%. Mesmo não sendo liderada pela indústria na saída das últimas recessões, a recuperação do mercado de trabalho, em particular na indústria - responsável atualmente por cerca de 13% da PO - tem sido mais lenta neste ciclo de crescimento. Após mais de três anos de duração deste ciclo, a baixa criação de empregos na indústria torna a aceleração da economia nos próximos meses mais incerta, apesar da expansão mais disseminada no setor da construção civil nos últimos meses.
A virada do ano é geralmente acompanhada de uma maior confiança na sociedade. Nos últimos anos, esse otimismo evaporou ao longo do 1º semestre. A expectativa é que esse sentimento seja mais duradouro agora. Para isso, o governo precisa aprovar importantes ajustes econômicos no Congresso, o que tende a estimular a economia e manter o processo de melhoria do emprego. Isso só será possível se o governo melhorar sensivelmente sua coordenação política e o relacionamento com os parlamentares. O tempo é curto e há muito a fazer em 2020.
*Nilson Teixeira, sócio-fundador da Macro Capital Gestão de Recursos, Ph.D. em economia pela Universidade da Pensilvânia
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