- O Globo
Registro dos primeiros 50 anos do Banco Central mostra períodos de crises da dívida, quebra de bancos, hiperinflação e reformas monetárias
Sentado na primeira fileira do auditório do Banco Central no Rio, Roberto Campos Neto viu passar pela sua frente flashs da história da instituição que deve presidir. Ex-presidentes contaram momentos dramáticos e decisões difíceis, crises da dívida, quebras de bancos, hiperinflação, reformas monetárias. Ao longo das falas no seminário ontem sobre a História Contada do Banco Central, ficou clara a dimensão da instituição.
Ilan Goldfajn, o atual presidente, resumiu ao fim da tarde e de três painéis mediados pela jornalista Claudia Safatle, do “Valor”, a evolução que houve:
— Não se fala mais de negociação da dívida externa, que foi o assunto dos primeiros depoimentos, porque ficou para trás. Espero que a inflação também tenha ficado para trás. Temos independência de fato, mas não temos ainda de direito. O assunto fiscal permanece conosco.
O BC foi criado por lei em 31 de dezembro de 1964, mas começou oficialmente em 1965. Completa 54 anos em 2019, mas o evento era para lembrar o registro histórico dos primeiros 50, que começou a ser feito com o CPDOC, em 1989, e foi retomado no período de Alexandre Tombini e completado agora com Ilan.
Ernane Galvêas, aos 96 anos e lúcido, contou que o BC foi filho da conferência que organizou o mundo monetário após a 2ª Guerra Mundial:
— Bulhões voltou de Bretton Woods com essa ideia de que o Banco do Brasil não podia ser a autoridade monetária.
Carlos Langoni foi presidente no começo dos anos 1980, quando estourou a crise da dívida externa que arruinaria a década. O Brasil não tinha dólares, créditos, nem petróleo:
— O presidente Figueiredo me chamou e disse: ‘pode negociar com os bancos, mas não deixa haver racionamento de combustível’.
Ele voou para Riad para negociar a liberação dos petroleiros com suprimento para o Brasil. Lá, por sorte, o presidente do BC era PhD pela Universidade de Chicago. Os colegas se entenderam.
Fernão Bracher contou como conseguiu manter o sistema financeiro em pé quando três bancos quebraram no governo Sarney: Comind, Auxiliar e Maisonnave. Fernando Milliet falou da tentativa de negociar com os bancos estrangeiros, completamente hostis, depois da moratória de 1987. Wadico Bucchi narrou as dificuldades daquele final do governo Sarney em plena hiperinflação. Ibrahim Eris não estava, mas seu período foi o do calote da dívida interna no governo Collor.
Pedro Malan foi presidente no Plano Real, que venceu a hiperinflação, e havia sido o negociador da dívida externa:
— Era uma guerra de trincheiras entre os países em desenvolvimento e os bancos.
Malan foi o responsável pelo acordo de paz nessa guerra. Persio Arida disse que olhou seu discurso de posse e sabatina e concluiu que a agenda continua a mesma: o crédito direcionado, a crise fiscal e a independência do BC.
Gustavo Loyola enfrentou a mais violenta crise bancária do país, em que quebraram Econômico, Nacional e Bamerindus, mantendo o sistema em pé, através do Proer. E saneou os bancos estaduais. Gustavo Franco manteve o câmbio no primeiro período do Plano Real, um tempo de enorme pressão.
— Cada um aqui vivenciou coisas diferentes, mas ninguém sentiu monotonia — disse.
Chico Lopes foi o responsável por uma instituição que é a semente do Banco Central independente: o Copom. Ele disse que discorda do ministro Paulo Guedes quando ele diz que a social-democracia levou 30 anos para aprender o que é preciso fazer na economia:
— Acho injustiça do meu amigo Paulo Guedes porque os social-democratas fizeram um grande trabalho. Deixaram tudo preparado para a liberal-democracia. Para não acertar o gol só se errar a bola.
Armínio introduziu as metas de inflação, política que está completando 20 anos, mas seu temor é o rombo das contas públicas:
— Não há Banco Central do mundo que resista à continuação de uma crise fiscal como a nossa. Uma reforma da Previdência mais ou menos não será suficiente.
Henrique Meirelles contou como conseguiu na prática que o Banco Central fosse independente no governo do ex-presidente Lula.
O neto de Roberto Campos, um dos criadores do BC, ouviu os recados dos que o antecederam entremeados de elogios ao seu avô. Armínio disse que chega a ser “desconcertante” ler como os alertas que ele fez nos anos 1970 sobre contas públicas permanecem atuais.
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