- O Estado de S.Paulo
Há ainda muitas incertezas sobre a magnitude e duração da crise do coronavírus
É crescente o temor de que analistas internacionais tenham subestimado o impacto do surto do coronavírus nas economias chinesa e global nas suas projeções iniciais e que os investidores não tenham precificado totalmente esse impacto nos ativos de risco, como as bolsas de valores.
Há ainda muitas incertezas sobre a magnitude e duração da crise com o surto do coronavírus, que vão desde a confiabilidade dos dados reportados pelo governo chinês até a taxa de disseminação e de controle do vírus, o que poderá afetar o tempo em que o comércio e a indústria ficarão fechados, assim como a extensão das restrições de circulação de pessoas e de produtos.
O feriado do Ano Novo Lunar, por exemplo, foi estendido oficialmente pelo governo da China em uma semana até o domingo passado, mas as autoridades de, pelo menos, 24 províncias chinesas ordenaram que escolas e fábricas seguissem fechadas até a próxima segunda-feira, dia 10. Nos cálculos da rede de TV americana CNBC, essas 24 províncias respondem por 80% do PIB e 90% das exportações chinesas.
Até a segunda-feira, conforme dados da Comissão Nacional de Saúde da China, foram confirmados 20.438 casos de coronavírus e o total de mortes aumentou para 425. Na atualização anterior, haviam 17.205 casos confirmados e 361 óbitos. Fora da China, foram registrados 162 casos em 24 países, com duas mortes.
Mas pesquisadores da universidade americana Johns Hopkins estimam que, até o dia 31 de janeiro, havia 58 mil pessoas infectadas pelo coronavírus apenas na China continental. Esse número inclui os casos não reportados às autoridades de pessoas sem sintomas ou com sintomas leves da doença. Ou seja, o surto pode ter uma magnitude muito maior do que o imaginado.
Na semana passada, os analistas do banco JPMorgan reduziram sua projeção do PIB mundial no primeiro trimestre de 2020 em 0,3 ponto porcentual, mas alertaram, em nota a clientes, que essa revisão inicial pode ter sido “muito pequena”.
Mais ainda: os analistas do JPMorgan dizem que, diante da interrupção nos gastos dos consumidores e da produção nas fábricas, em razão da extensão dos feriados e do fechamento de espaços públicos e de empresas, a desaceleração da economia chinesa poderá ser maior do que o 1,4 ponto porcentual de redução prevista por eles na projeção para o PIB chinês neste primeiro trimestre de 2020.
Por enquanto, os analistas do JPMorgan consideram o surto do coronavírus um choque de demanda, afetando vendas no varejo e gastos com turismo, mas se as fábricas permanecerem fechadas por muito mais tempo do que o previsto, especialmente nas províncias com indústrias integradas nas cadeias globais de produção, a doença também resultará num choque de oferta. Os analistas do banco americano dizem ainda que, como mais de 25% das exportações brasileiras vão para a China, cada 1 ponto porcentual de queda no PIB chinês reduz o crescimento do PIB brasileiro em 0,2 ou 0,3 ponto.
“Espero novas revisões para baixo das projeções do crescimento do PIB global, com o mercado convergindo para um impacto negativo de 1 a 2 pontos porcentuais no crescimento do PIB chinês (no trimestre)”, diz o estrategista macro sênior da Nordea Asset Management, Sebastien Galy. “Suspeito que muito pouco desse choque no crescimento global tenha sido precificado nos preços das ações negociadas em bolsas.”
Todavia, os indicadores de atividade econômica para o mês de janeiro em vários países, incluindo China e Estados Unidos, ainda não refletiram o impacto do surto do coronavírus no consumo ou na produção. Isso significa que a reação dos mercados globais, especialmente em bolsa e câmbio, tem ficado a reboque unicamente do noticiário sobre novos casos e mortes do vírus – ou de anúncios de restrição de voos e de circulação de pessoas, através da não concessão de vistos, por exemplo.
Quando os indicadores de atividade ao redor do mundo começarem a fraquejar, a partir de fevereiro, em razão do impacto do surto do coronavírus nas economias chinesa e global, não se pode descartar uma nova rodada de forte correção nos preços dos ativos de risco. No Brasil, a pesquisa Focus, do Banco Central, ainda não captou revisões para baixo do desempenho da economia, com o consenso das estimativas apontando um crescimento de 2,30% do PIB. Mas isso pode mudar em breve.
Nenhum comentário:
Postar um comentário