sexta-feira, 13 de março de 2020

Míriam Leitão - O ponto em que as crises se encontram

- O Globo

É preciso adotar medidas para que uma crise temporária não seja permanente na economia. Mas o governo ainda não apresentou respostas efetivas

Há um ponto em que as crises se encontram e se parecem. Esta é diferente na origem, um vírus que se espalha de forma assustadora, podendo atingir uma dimensão desconhecida. A partir daí começam as semelhanças. Atividade econômica suspensa produz PIB menor. O mundo perderá crescimento e pode entrar em recessão. Mudanças bruscas em valor dos ativos produzem inúmeras consequências, principalmente se apanha o país num contrapé, que é o nosso caso. Quando a bolsa cai fortemente, isso leva à perda de riqueza que afeta todos, principalmente os pequenos investidores.

Esta tem sido uma semana devastadora. Ontem, o dia foi de quedas tão brutais nas bolsas que os analistas pararam de comparar com 2008, mas ao colapso da bolsa em 1987, que ficou conhecido como Black Monday. No Brasil, um rápido balanço mostra o seguinte: desde o início do ano, a perda de valor de mercado chega a R$ 1,5 trilhão, segundo cálculos da Economática. Somente ontem houve recuo de R$ 489 bilhões, a maior perda diária da história da bolsa brasileira. A Petrobras já perdeu R$ 240 bilhões em valor no ano. O índice Ibovespa recuou aos 72.582 pontos e voltou ao mesmo patamar de junho de 2018.

Como nunca houve tanta pessoa física na bolsa brasileira, e os estrangeiros saíram nos últimos meses, essa perda de valor afeta diretamente a economia real. O investidor que vê uma desvalorização brusca de seus ativos ficará retraído para tudo o mais, do consumo ao crédito a investimentos com qualquer nível de risco. Assim vão se formando os canais pelos quais a oscilação das ações afeta a tomada de decisão e a economia real.

O economista Márcio Garcia, da PUC do Rio, diz que o problema é haver uma dinâmica que contamina setores e se espalha pelos países, como o próprio vírus.

— O que tem que impedir é esse círculo vicioso. Esse é o maior risco, e é aí que os governos têm que atuar. Para que uma crise temporária não tenha efeitos permanentes. Empresas podem começar a quebrar por falta de caixa e receita. E aí não paga o banco, e o banco também quebra ou atrasa pagamentos. Isso aí vira uma crise grande por conta de algo que poderia ter sido temporário — afirma.

Esse é o temor em relação aos Estados Unidos porque, como disse aqui ontem o economista José Roberto Mendonça de Barros, há muitas empresas alavancadas. Com o dinheiro barato elas se endividaram por nenhuma razão importante, às vezes para comprar as próprias ações. Agora perderam valor.

— Quando os preços se movem muito rapidamente acontecem dinâmicas muito perversas que têm a ver com a forma como o mercado financeiro funciona. Quem está muito alavancado perde muito — explica Garcia.

O “Financial Times” contou um exemplo: uma rede de hotéis em Nashville, Ryman, que teve em uma semana 77 mil cancelamentos de quartos/noite. Deixou de faturar US$ 40 milhões. Sua dívida foi colocada em observação para rebaixamento pela S&P. Milhões de eventos como esse estão acontecendo no mundo e no Brasil também, onde o pisca alerta só agora começa a ser ligado. O presidente Bolsonaro, que dizia que esse surto era uma fantasia propagada pela imprensa, ontem apareceu de máscara em transmissão pela internet.

O que fazer diante disso? A equipe econômica montou um gabinete de crise e apresentou algumas medidas tímidas na área, como antecipação de 13º salário de beneficiários do INSS e suspensão de provas de vida por 120 dias. Até então, só se falava em aprovação de reformas, o que não resolve, até porque o Congresso pode entrar em recesso. Há algumas boas propostas paradas, outras ainda não chegaram, outras são ruins. Mas as boas têm chance de melhorar o país estruturalmente. O que é preciso é ter ações emergenciais precisas que interrompam o espiral de queda. Mas isso dentro da realidade brasileira, um país com limites fiscais.

Márcio Garcia sugere coisas práticas como a de que o BC anuncie, como fez Ilan Goldfajn e Alexandre Tombini, em duas crises que administraram, um volume de recursos que usará para diminuir a volatilidade do dólar. Isso seria melhor do que comunicar um valor a cada dia. Sugeriu que o Tesouro recompre títulos, coisa que o Tesouro anunciou logo depois. O governo precisa sair é da receita monocórdica e explicar com que medidas pretende mitigar a crise.

Mas se o presidente da República entender, enfim, qual é o papel de um presidente da República numa crise já seria um grande alívio. Pelo pronunciamento dele ontem em rede nacional, não foi desta vez.

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