- Folha de S. Paulo
Em cadeia nacional, disse só que sistema de saúde tem limites e fez política com a militância
A preocupação com a covid-19 se alastra pelo Brasil quase inteiro. Jair Bolsonaro vai então à TV para dizer, em primeiro lugar, que há uma pandemia declarada no mundo e que o sistema de saúde “tem limites” para atender os doentes.
Trata-se de frase tanto óbvia quanto atrocidade que intranquiliza ainda mais o país inteiro. Atrocidade desestabilizadora é um dos motes deste desgoverno.
O que pretende fazer desses limites? Dane-se.
O que tem a dizer ao país sobre providências para conter a epidemia, que ele chamava de “fantasia” da mídia faz dois dias? Dane-se.
O que tem a dizer sobre o risco de paralisia de atividades econômicas? Sobre a tensão nos mercados financeiros, sobre o risco de acidentes na finança? Sobre a disparada das taxas de juros na praça, que ora tem cara de prenúncio de recessão? Dane-se.
O que importa, como logo se ouviu em seu discurso, é espalhar a epidemia de golpeamentos institucionais e fazer chacrinha como animador de auditório de fanáticos de extrema direita.
Foi assim no discurso em cadeia nacional na noite desta quinta-feira.
Logo depois de dizer que o sistema de saúde é limitado, Bolsonaro usou o tempo de TV da Presidência da República para se dirigir a sua militância e aos líderes se suas falanges, que planejavam uma espécie marcha sobre o Congresso, um protesto convocado contra o Parlamento, para domingo próximo (15).
Naquele seu tom de quem dá ordem a um pelotão de fuzilamento e de quem não domina a leitura nem o português, Bolsonaro desconvocou a manifestação que ajudara a esquentar. No entanto, deu recados de que “a luta continua”. Foi apenas suspensa por causa da epidemia.
Bolsonaro é aquele indivíduo que, nesta semana, disse o seguinte sobre a agora pandemia: “Obviamente temos no momento uma crise, uma pequena crise. No meu entender, muito mais fantasia, a questão do coronavírus, que não é isso tudo que a grande mídia propala ou propaga pelo mundo todo”.
Bolsonaro mentia ao fazer seu discurso na TV ou mentia em seu discurso de Miami, sobre a “fantasia” da epidemia? Tanto faz. Nada do que diz faz parte do universo da razão ou de “união, serenidade e bom senso”, como recomendou ao país na sua chave de cadeia nacional de terça-feira (10).
Gente de seu governo prepara um pacote de remendos econômicos, a ser anunciado na segunda-feira que vem (16), dizem. No que importa, nos assuntos essenciais, seu governo não tem o que dizer.
O que seu governo fará para remediar o SUS, com recursos já escassos e que serão atropelados pela epidemia?
Qual a orientação de políticas nacionais para a contenção da epidemia? Deve-se deixar o vírus circular ao léu, como agora, ou é preciso esvaziar o quanto possível reuniões e aglomerações, como tantos países fizeram e fazem, suspendendo atividades escolares, esportivas e similares?
Para piorar, a loucura política que é parte do programa de degradação institucional que é o seu governo agora é acompanhada pelo Congresso, que resolveu gastar mais sem ter nenhum programa organizado, justificativa ou receita para bancar a despesa.
O desgoverno então se espraia como a praga do coronavírus. Como se não bastasse o pânico financeiro importado, o conflito desordenado nos Poderes alimentou a ruína no mercado. O desastre foi apenas contido pela atuação de técnicos de Banco Central e, de modo maciço, do Tesouro.
O país está desgovernado pela maluquice perversa.
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