sexta-feira, 13 de março de 2020

Eliane Cantanhêde - Fantasia e pesadelo

- O Estado de S.Paulo

O presidente ainda acha que Bolsas, dólar e coronavírus são 'fantasias da grande mídia'?

É dramaticamente irônico que o presidente Jair Bolsonaro tenha dito que o coronavírus não passava de uma “pequena crise”, uma “fantasia” criada pela “grande mídia”, e apenas dois dias depois um dos contaminados no Brasil venha a ser justamente o secretário de Comunicação da Presidência, Fábio Wajngarten. Vítima da “fantasia”? Vítima da imprensa?

O fato é que, agora, a Organização Mundial da Saúde (OMS) já declarou pandemia, os casos e mortes se multiplicam rapidamente por todos os continentes, as Bolsas despencam, eventos nacionais e internacionais são cancelados, um atrás do outro, e as escolas estão sendo fechadas.

A curiosidade é por que o presidente perde todas as chances de ficar calado. Fantasia? O coronavírus já atingiu centenas de milhares de pessoas no mundo, com perto de 5 mil mortes. No Brasil, já havia em torno de 80 casos confirmados e mais de 1.400 suspeitos em vários Estados e no DF.

A Bovespa já foi suspensa quatro vezes nesta semana, com as maiores quedas desde 1998, enquanto o dólar chegou a bater em R$ 5. É para brincar com uma coisa dessas? Ou para imitar seu ídolo Donald Trump? Ou para aproveitar para jogar descrédito sobre a mídia? Melhor do que isso seria o Planalto e o Ministério da Economia seguirem o exemplo do Ministério da Saúde. Mostrar serviço, atenção, presteza. Não é essa a sensação, nem em Brasília nem no mercado.

Em meio a tudo isso, é muito preocupante, sim, que Wajngarten tenha viajado no mesmo avião do presidente e tido contato o tempo todo com ministros e assessores da comitiva presidencial a Miami. Para constrangimento geral, ele também participou do jantar de Trump para Bolsonaro na restrita Mar-a-Lago e ainda tirou foto com Trump e o vice Mike Pence com aquele boné ridículo do “Brasil great again”. Já imaginaram se ele sai contaminando a cúpula da Casa Branca?

É óbvio que Wajngarten é uma vítima, um paciente, totalmente isento de qualquer responsabilidade, mas, na prática, o presidente, a primeira-dama Michelle, o filho Eduardo, ministros e assessores da Presidência estão numa situação delicada. Não precisa isolamento, mas monitoramento e evitar aglomerações, reuniões, apertos de mão, abraços e beijos. Logo, o governo brasileiro está em “home working”.

Enquanto isso, o Congresso derruba o veto da ampliação do Benefício de Prestação Continuada (BPC) para idosos carentes e deficientes, dando uma de bonzinho para o eleitor e uma de mau para as contas públicas e para Bolsonaro e o governo.

Para piorar, uma parte do Congresso faz jogo duro para liberar os R$ 5 bilhões que o ministro Luiz Henrique Mandetta reivindica para preparar o País para acolher e tratar os pacientes de coronavírus por toda parte. Mandetta pediu, o deputado Rodrigo Maia e o senador Davi Alcolumbre apoiaram, mas líderes de partidos do Centrão arranjam pretextos para dificultar as coisas. É brincar com fogo.

A situação ainda vai piorar muitíssimo, antes de atingir o pico e começar a melhorar. Por enquanto, os contaminados são pessoas que estavam na Ásia, na Europa, particularmente na Itália, e têm acesso ao que há de melhor em saúde no Brasil. O problema será quando os “ricos” começarem a passar o vírus para os “pobres”. Esse será o grande teste, não apenas da saúde pública no Brasil, mas também das autoridades brasileiras, a começar do presidente e do Congresso. Não é fantasia e não se pode brincar com vida e morte.

Aliás, e se usassem para o secretário o que Abraham Weintraub usou para a educadora Priscila Cruz, após suspeita do coronavírus? Citando a Bíblia, ele comemorou: “O Senhor nosso Deus os destruirá”. Sorte que há poucos Weintraub para coisas assim.

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