- Valor Econômico
Para Delfim, governo deveria focar na PEC Emergencial
Delfim Netto, 92 anos, ficou em frente à TV por três horas, assistindo a votação no Congresso que derrubou o veto do presidente Jair Bolsonaro à ampliação do Benefício de Prestação Continuada (BPC), e concluiu: “Acabou a inteligência no Brasil”.
A reação dos parlamentares ao impor uma grave derrota ao governo de Bolsonaro foi um ato impensado, irresponsável mesmo. “Explodiram o teto do gasto!”, reagiu o ex-ministro e ex-deputado Delfim Netto.
Ao derrubar o veto presidencial, o Congresso criou uma despesa permanente da ordem de R$ 20 bilhões por ano sem indicar a devida receita para financiar a nova despesa.
O BPC, instituído pela Constituição de 1988, equivale a um salário mínimo por mês e destina-se às pessoas deficientes e idosos a partir de 65 anos cuja renda familiar per capita seja menor do que um quarto do salário mínimo. Com a derrubada do veto, ele passa a cobrir, também, idosos e deficientes com renda familiar per capita equivalente à metade de um salário mínimo.
O governo, por seu turno, não tem feito nada para melhorar o ambiente entre o Executivo e o Legislativo. Ao contrário, cada vez que o presidente da República fala é para insuflar o mal-estar das relações políticas.
“O problema ideológico atingiu tal dimensão que a coisa mais pecaminosa é ter lógica”, desabafou Delfim.
Por mais meritório que possa parecer, o Congresso criou um gasto no pior momento possível, em meio à hecatombe do coronavírus, que está causando destruição por onde passa e já se instalou por aqui.
“Foram ver se tinha gasolina no carro e acenderam um fósforo”, continuou o ex-ministro. “A maior burrice é repetir medidas que já não deram certo no passado na pretensão de que agora elas darão certo”, completou ele, referindo-se à votação de quarta-feira no Congresso.
Acostumado a assistir o Estado regando a economia com dinheiro barato do Tesouro, o país se vê perplexo diante da falta de ação do governo federal. Afinal, o BNDES dispõe de R$ 140 bilhões em caixa. “Para emprestar para quem? Para a JBS?”, pergunta o ministro da Economia, Paulo Guedes, quando confrontado com esses recursos no caixa do banco. A rigor, ainda está em discussão o quanto o BNDES terá que devolver à União neste ano a título de antecipação do pagamento de empréstimos feitos pelo Tesouro Nacional à instituição financeira. Será algo inferior, mas não muito, a R$ 100 bilhões, segundo fontes oficiais.
Para agir, o governo tem que, primeiro, identificar onde estão os problemas mais graves gerados pela disseminação do coronavírus. Já deveria, por exemplo, estar liberando recursos para o Ministério da Saúde para que ele estruture um programa de ajuda aos Estados e municípios, municiando as unidades da federação de mais leitos hospitalares e de equipes treinadas para lidar com a nova doença, a covid-19.
Medidas emergenciais não são barradas pela lei do teto do gasto público. A própria lei contempla a possibilidade de o governo abrir crédito extraordinário para atender a despesas imprevisíveis e urgentes, tais como as decorrentes de guerra, comoção interna ou calamidade pública, como está previsto no artigo 167, parágrafo 3º da Constituição.
Portanto, não há a necessidade de se flexibilizar o teto para enfrentar a pandemia. O que é preciso é ter agilidade para tomar as medidas corretas.
Essa é uma crise diferente de todas que o país já viveu. Não se trata de um problema geral de liquidez, como ocorreu no auge da grande crise financeira mundial, em 2008/2009.
Também não tem nada a ver com a crise da dívida externa que resultou na década perdida dos anos de 1980.
Essa crise se notabiliza por um choque de oferta seguido de um choque de demanda - porque as cadeias produtivas globais estão se rompendo e isso prejudica a produção de bens e serviços e, sem produção, a demanda das empresas também cai.
Alguns setores, como o aéreo, já começaram a sentir dificuldades na obtenção de crédito por parte do sistema financeiro. Nesses casos, caberá ao Banco Central agir para garantir um mínimo de funcionalidade aos mercados.
Ontem o presidente da Caixa, Pedro Guimarães, se antecipou e anunciou a disponibilidade de novos R$ 50 bilhões para capital de giro das empresas. Ele disse, também, que o banco poderá comprar carteira de crédito de instituições menores em caso de aperto.
O pânico se instalou nos mercados, onde a pandemia está provocando uma verdadeira devastação. As instituições, ontem, começaram a tomar medidas de proteção, restringindo o acesso das pessoas aos seus prédios. Portaria assinada pelo presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Dias Toffoli, prevê que apenas as partes dos processos e os seus advogados poderão participar das sessões de julgamento.
O presidente do Congresso Nacional, senador Davi Alcolumbre, estaria cogitando, segundo fontes ouvidas pelo Valor, decretar recesso parlamentar. Um fato que contribuiria para essa decisão seria a confirmação de casos de parlamentares que teriam contraído a doença.
Dois senadores e dois deputados participaram da comitiva presidencial que visitou os Estados Unidos recentemente. Eles tiveram contato com o secretário de Comunicação da Presidência, Fábio Wajngarten, que estava na comitiva e cujo teste para o coronavírus, feito ontem, deu positivo.
Por todo o avanço que o Congresso tem feito sobre o dinheiro do Orçamento, sobretudo as últimas negociações entre o Parlamento e o Palácio do Planalto em torno do Orçamento impositivo, Delfim constata, também, que “essa gente está tirando a possibilidade de o Brasil crescer”.
Sobre Paulo Guedes, o ex-ministro disse que quem tem 20 prioridades não tem nenhuma. Essa é uma crítica ao ofício que o ministro da Economia enviou ao Congresso Nacional, listando praticamente duas dezenas de projetos que lá tramitam e que são de interesse do Executivo sobretudo agora, quando se exige do governo respostas à altura da pandemia. Para Delfim, Guedes deveria estar focado na PEC Emergencial.
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