Mundo em alerta – Editorial | O Estado de S. Paulo
As últimas informações sobre a pandemia do novo coronavírus recomendam que tanto as autoridades públicas como a população sigam obedientemente as orientações sanitárias. Não há razão para pânico – uma reação assim apenas agravaria o quadro –, mas é preciso prudência e diligência, para evitar o contágio e também as nefastas consequências de uma doença que tem afetado o mundo inteiro. Como as autoridades médicas alertam, medidas relativamente simples podem ser decisivas para reduzir as taxas de contaminação.
Vale destacar, em primeiro lugar, que o mundo está diante de uma situação excepcional. Numa medida inaudita para tempos de paz, a Itália decretou quarentena em todo o país, com recomendações para que a população não saia de casa. Em Madri, na Espanha, todos os museus estatais fecharam desde ontem suas portas ao público.
E aos que nutriam alguma dúvida quanto à gravidade da nova pandemia, a decisão do presidente americano, Donald Trump, de suspender a partir de hoje todas as viagens da Europa continental para os Estados Unidos pelos próximos 30 dias ajudou a dar uma dimensão mais realista ao problema. No dia do anúncio, os Estados Unidos já tinham mais de 1,2 mil casos de contaminação e ao menos 36 mortes pela covid-19. Ainda que não seja claro o motivo de não suspender os voos do Reino Unido – na decisão americana pode haver elementos políticos ou ideológicos, estranhos à questão sanitária –, é evidente a gravidade das medidas anunciadas.
Nos últimos dias, a transmissão do vírus no Brasil também mudou de patamar. Na tarde de ontem, o Ministério da Saúde tinha confirmado 77 casos, distribuídos em nove Estados. O atual quadro recomenda uma nova dinâmica de medidas de prevenção, uma vez que se confirmou a transmissão comunitária. No início, os brasileiros com teste positivo para o novo coronavírus tinham sido infectados em viagens ao exterior. Agora, já se confirmaram vários casos de transmissão local.
Como é natural, há ainda muitas questões médicas em aberto. Não se sabe, por exemplo, como o novo coronavírus se comporta em regiões tropicais, com maior temperatura. Ao mesmo tempo, já existem evidências científicas a respeito de pontos importantes quanto à transmissão do vírus e ao tratamento da doença. Sabe-se, por exemplo, que a covid-19 é muito mais letal para idosos, o que conduz a recomendações importantes. Pessoas acima de 70 anos devem ser especialmente cuidadosas, restringindo ao máximo as possibilidades de contágio.
Se a cada dia reúnem-se mais informações sobre o melhor tratamento a ser dado a quem foi infectado – o que traz tranquilidade –, é preocupante constatar a carência de leitos hospitalares em relação às projeções de contaminação. Estima-se, por exemplo, que na Grande São Paulo 40 mil pessoas serão infectadas pelo novo coronavírus ao longo dos próximos quatro meses.
A curva de contaminação é uma progressão geométrica, o que, por exemplo, desaconselha viagens ao exterior no momento. Não há como assegurar que um país esteja isento de um surto de contaminação. O estado sanitário de um local pode se alterar em poucos dias.
Há também experiências positivas. A estratégia da Coreia do Sul, por exemplo, tem sido apontada como um caso de sucesso, ao aliar informações ao público, participação da população e campanha de testes em massa para conter o novo coronavírus. Após registrar uma onda de contaminação, com mais de 7 mil pessoas infectadas, o país conseguiu reduzir o número de novos casos, além de manter uma taxa de mortalidade relativamente baixa.
Sem criar pânico, cabe às autoridades públicas tomar todas as providências necessárias, aprendendo também com a experiência dos outros países. À população cabe se informar em fontes seguras, não compartilhar notícias de origem duvidosa e seguir as orientações sanitárias. No panorama, há incertezas, mas existem também parâmetros e orientações aptos a prover segurança e tranquilidade ao longo dos próximos meses.
O pânico e a ladainha cor-de-rosa – Editorial | O Estado de S. Paulo
Guedes entoou outra vez a ladainha do País que decola enquanto o mundo desce
Com o pânico dominando os mercados, o dólar de novo disparou, as ações despencaram e as negociações foram interrompidas duas vezes, ontem de manhã, na Bolsa de São Paulo. No começo da tarde o Ibovespa acumulava queda de 19%, enquanto o preço do petróleo seguia em baixa e os danos econômicos da nova pandemia continuavam a espalhar-se. Mas o Brasil tem uma dinâmica própria, insistia o ministro da Economia, Paulo Guedes, entoando em Brasília, mais uma vez, a ladainha do país decolando enquanto o mundo desce.
Os mercados já estavam em pânico antes de ser declarada oficialmente, na quarta-feira, a pandemia do novo coronavírus, e assim continuaram ontem. Nos Estados Unidos, o presidente Donald Trump havia anunciado medidas severas, como a proibição de voos comerciais, nos dois sentidos, entre seu país e a Europa continental. O governo americano também já havia enumerado medidas de apoio a trabalhadores e a empresas com recursos orçamentários. Remédios econômicos também eram anunciados na Europa.
Em Bruxelas, o vice-presidente da Comissão Europeia, Valdis Dombrovskis, prometeu apresentar na manhã de hoje medidas para atenuar ou prevenir os problemas fiscais e econômicos do surto de coronavírus. “Precisamos apoiar empresas, principalmente pequenas e médias, e trabalhadores autônomos afetados pela crise”, argumentou.
Essa operação de socorro coincide pelo menos em parte com a ação cobrada dos governos pela presidente do Banco Central Europeu (BCE), Christine Lagarde. A resposta aos efeitos econômicos da pandemia deve consistir principalmente, segundo a presidente do BCE, em medidas de apoio fiscal à atividade econômica. A maior parte dos governos da zona do euro tem condições de usar recursos orçamentários para animar os negócios.
Antes do novo apelo de Lagarde, os dirigentes do BCE haviam informado suas novas decisões de política monetária. Mantiveram a taxa de depósito (-0,50%) e a de refinanciamento (nula), mas prometeram baixar o custo do refinanciamento de operações de longo prazo e, além disso, adicionar 120 bilhões de euros, até o fim do ano, à compra de bônus em circulação no mercado. Nos Estados Unidos, o Federal Reserve (Fed, o banco central americano) anunciou a intenção de injetar nos mercados US$ 1,5 trilhão, começando ontem mesmo com US$ 500 bilhões.
No Brasil, enquanto o ministro da Economia repetia a história feliz de um país em decolagem, funcionários do Tesouro tentavam atenuar o pânico, reagindo à pressão no mercado de juros futuros com leilões de recompra e de venda de títulos. O objetivo era “dar suporte” às negociações com títulos públicos, “garantindo o bom funcionamento desse e de outros mercados correlatos”, segundo comunicado oficial.
Reconhecendo, apesar de tudo, o risco de algum problema, o ministro da Economia chamou a atenção para o potencial dos bancos estatais. O ministro mencionou a capacidade de empréstimos da Caixa, do Banco do Brasil e do BNDES, de pelo menos R$ 207,8 bilhões. Mas bastará dispor desse dinheiro?
Em situações de crise e muita insegurança, governos costumam dar um rumo, apontar um horizonte e indicar facilidades a empresários e consumidores, para estimulá-los a se mexer e a tomar riscos. Sem isso, quantos estarão dispostos a se endividar? Para quê? Se o Banco Central (BC) decidir novo corte de juros na reunião de seu comitê político, na próxima semana, e se houver sinais de repasse desse corte ao tomador final, a procura de dinheiro talvez aumente. O pessoal do BC deverá decidir, no entanto, num quadro fiscal especialmente confuso, com possível piora das contas federais. Será difícil evitar a piora, se for executado o gasto adicional de R$ 20 bilhões decorrente do aumento dos Benefícios de Prestação Continuada. Contra o veto presidencial, congressistas mantiveram esse aumento, diante de um Executivo inerte. Mas o País decola. Quem garante é o ministro.
A cartilha que Bolsonaro não leu – Editorial | O Estado de S, Paulo
Dos 208 ataques aos meios de comunicação em 2019, 121 foram feitos por Bolsonaro
Uma semana depois de o presidente Jair Bolsonaro ter criticado jornalistas de modo vulgar e prometido que pedirá ao empresariado que promova um boicote publicitário a jornais, revistas, rádios e televisões que o criticam, o site do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos divulgou uma cartilha sobre proteção de direitos de jornalistas. Entre outras recomendações, a cartilha pede que as autoridades públicas não façam discursos que “exponham jornalistas a riscos de violência ou aumentem sua vulnerabilidade”.
Os dois fatos não são isolados. Eles evidenciam as contradições entre as orientações da cartilha e o comportamento de ministros e do próprio presidente da República. Originariamente, a cartilha foi preparada durante a gestão de Michel Temer e divulgada em 2018. O Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos apenas a reeditou, em cumprimento às orientações que a Comissão Interamericana de Direitos Humanos vem fazendo desde 1995.
A cartilha apresenta padrões internacionalmente estabelecidos para balizar as relações entre autoridades governamentais, profissionais de comunicação e a sociedade. Apresenta artigos da Declaração Universal dos Direitos Humanos e do Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos, da Organização das Nações Unidas. E transcreve trechos da convenção da Organização dos Estados Americanos sobre o tema. Em outras palavras, a cartilha enumera os padrões vigentes nas democracias, onde o direito de informar e a liberdade de expressão – mesmo que o que for publicado ou criticado “possa ser inconveniente aos interesses do governo” – são garantias fundamentais.
A cartilha também pede especial atenção à segurança dos jornalistas que mantêm a sociedade informada sobre crimes relacionados à corrupção e à atuação de milícias, como as que atuam no Rio de Janeiro. “A violência contra profissionais do jornalismo objetivando impedir a ampla divulgação de tais crimes impede a sociedade de cobrar das autoridades públicas o enfrentamento da criminalidade organizada, bem como prejudicam a transparência na utilização dos recursos públicos.” Por isso, o Estado deve ter “o compromisso de não sancionar qualquer meio de comunicação ou jornalista por difundir a verdade, criticar ou fazer denúncias”, diz a cartilha.
Desde que assumiu a Presidência da República, o modo como Bolsonaro se relaciona diariamente com repórteres colide frontalmente com essas orientações sensatas e fundamentais para o bom funcionamento do Estado de Direito. Basta ver, por exemplo, que no mesmo dia em que a imprensa divulgou o teor da cartilha, na portaria do Palácio do Alvorada Bolsonaro deu mais uma demonstração de grosseria. Indagado por um repórter sobre a proposta do governo para regulamentar o Orçamento impositivo, afirmou: “Está nas minhas mídias sociais. Você que a interprete, tem curso superior para isso”.
Segundo pesquisa divulgada há dois meses pela Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj), em 2019 houve, em relação ao ano anterior, um aumento de 54% nos ataques físicos e morais contra profissionais de comunicação no Brasil. Em números absolutos, foram 208 ataques, dos quais 121 foram feitos por Bolsonaro por meio de entrevistas, transmissões ao vivo e em seu perfil no Twitter. O presidente não só recorre sistematicamente a uma linguagem vulgar, fazendo algumas vezes insinuações sexuais em seus rompantes, como também se vale de mentiras nas agressões contra órgãos de comunicação e expõe na internet dados pessoais de jornalistas.
Com seu comportamento cada vez mais belicoso contra a imprensa, em total oposição às recomendações de uma cartilha que certamente não leu, Bolsonaro dá a dimensão de seu despreparo e de sua intolerância. Não compreende que, quanto mais se desmoraliza como autoridade pública, mais legitimidade perde seu governo.
Prevenções rígidas são essenciais contra o vírus – Editorial | O Globo
Antes da China ter êxito com medidas preventivas, uma cidade americana fez o mesmo em 1918
Em mais um dia de queda nos mercados financeiros, a epidemia mundial de coronavírus começou a receber um tratamento preventivo mais duro nas Américas, como indicado. A China, que já mostra evidências de sair da epidemia — anteontem foram registrados poucos casos de pessoas contaminadas na cidade de Wuhan, epicentro mundial da doença —, passou a ser seguida pela Europa no vigor de medidas para evitar a aglomeração e circulação de pessoas.
Deve-se considerar a diferença entre o poder de coerção do Estado numa ditadura forte e consolidada como a chinesa e numa democracia como a italiana. Mas a experiência está mostrando que informações corretas, claras, abundantes e difundidas de maneira eficiente, caso da Itália, funcionam. Fotos de ruas, praças, lugares turísticos italianos vazios, só imaginados em filmes de ficção, comprovam que não é preciso acabar com a democracia para combater epidemias. As ditaduras cometem erros e desperdiçam recursos até por excesso de poder. O necessário são ações eficazes de um poder público competente para mobilizar as populações.
Na quarta-feira, começaram a se alastrar ações acertadas, nos Estados Unidos e na América Latina, para evitar aglomerações, uma das maneiras mais eficazes de conter a dispersão deste coronavírus, que tem a característica de passar de pessoa a pessoa com extrema facilidade. Mais do que outros vírus de gripe e doenças respiratórias que costumam se espalhar no mundo a cada ano a partir da Ásia, onde o convívio muito próximo entre humanos e animais é um berçário de patologias. Daí as gripes suína, aviária e outras do gênero. De tempos em tempos, os vírus sofrem mutações no salto de animais para pessoas que os tornam muito perigosos. Como este, o Sars-CoV-2, causa da Covid-19, a epidemia da vez.
A programação de eventos esportivos tem sido revista. Transcorrem na Europa jogos de futebol sem torcida. Isso já ocorreu em partidas da Liga dos Campeões. A epidemia afeta todos os campeonatos no continente. Não é preciso suspender as partidas, mas a Itália parou o campeonato nacional, e a Conmebol, a Confederação Sul-Americana de Futebol, avaliou a situação e pediu à Fifa para adiar o início das eliminatórias no continente para a Copa do Qatar. O Brasil, então, não deverá estrear mais, na fase preliminar da Copa, no dia 27.
Nos Estados Unidos, uma partida da NBA, liga de basquete, foi suspensa porque um dos jogadores testou positivo para o vírus. Todos os jogos foram adiados. Em Washington, Trump fechou as portas do país, a partir de domingo, para europeus — em temporada eleitoral, a medida recebeu fortes críticas da oposição democrata. Com razão, a União Europeia reagiu diante da ausência de qualquer comunicação ou consulta prévias. Mas fechar as pistas para aviões saídos da Europa vai na linha acertada, embora a medida tenha sido adotada no estilo Trump de governar. O sentido da ideia pode ser bom, porém vira um desastre na execução.
O blog de Helio Gurovitz, do G1, traz um gráfico esclarecedor, publicado na revista britânica “The Economist”, com contribuições do especialista em saúde pública Drew Harris, a partir de recomendações do Centro de Controle e Prevenção de Doenças (CDCs) referentes a gripes (ver abaixo).
Ele mostra dois cenários: o de uma epidemia sem medidas de controle e prevenção, e o outro, com esses cuidados. Na primeira simulação, o número de casos explode e ultrapassa bastante a capacidade da estrutura de o sistema de saúde atender a população. É certo que o número de mortes cresce.
Numa situação real ocorre o mesmo. Ou melhor, já aconteceu, segundo informações do “Washington Post” sobre os danos causados em 1918 pela Gripe Espanhola, espalhada por um desses vírus, na Filadélfia e em St. Louis. No mundo, a pandemia causou mais de 50 milhões de mortes.
Um gráfico idêntico ao editado na “Economist” repete as duas curvas: em Filadélfia o número de mortos em relação à população foi muito mais alto do que em St. Louis. Motivo: confirmado o primeiro caso da gripe, na Filadélfia, do dia 17 de setembro daquele ano, as autoridades não se preocuparam e portanto não tomaram qualquer providência para impedir aglomerações de pessoas de qualquer tipo. A vida continuou como se tudo estivesse normal. O governo só começou a agir quando a gripe havia se alastrado. Em outubro houve o pico de 250 mortes por grupo de 100 mil pessoas.
Já em St. Louis, a primeira infecção pela Gripe Espanhola foi identificada em 5 de outubro. No dia 7, o poder público começou a executar medidas de prevenção. Por isso, as mortes na cidade foram de pouco mais que 50 por 100 mil habitantes. Os dados são irrefutáveis.
Esta, então, é uma guerra que se ganha ou se perde em grande medida antes que os doentes comecem a procurar por atendimento médico e no planejamento, fora dos hospitais.
Pauta-bomba – Editorial | Folha de S. Paulo
Ao criar gasto sem lastro, Congresso foge de debate sobre o Orçamento na crise
O texto que eleva em R$ 20 bilhões ao ano as despesas assistenciais do governo, sem previsão orçamentária, serve como exemplo dos riscos de conferir ao Congresso, no atual cenário, maiores poderes sobre a gestão das finanças públicas.
Os parlamentares decidiram alegremente ampliar a clientela que faz jus ao benefício de um salário mínimo (R$ 1.045 mensais) pago a idosos e deficientes de baixa renda, conhecido como BPC.
Para tanto, mudaram-se os parâmetros para a concessão do auxílio, hoje pago a pessoas cuja renda familiar per capita não ultrapassa 25% do salário mínimo.
Deputados e senadores votaram por elevar esse limite a 50% no ano passado, em proposta vetada pelo presidente Jair Bolsonaro —com o correto argumento de que não havia indicação dos recursos destinados a cobrir a nova despesa. Na quarta-feira (11), os congressistas derrubaram o veto presidencial.
Não resta dúvida de que Bolsonaro age de modo temerário, quando não antidemocrático, ao fomentar conflitos com o Legislativo. Tampouco se pode negar que seria desejável ampliar verbas para a seguridade social. Nada disso justifica, porém, a irresponsabilidade orçamentária que, inevitavelmente, prejudica toda a sociedade.
O Orçamento deste 2020 estima um déficit primário —isto é, receitas insuficientes para a cobertura dos gastos, mesmo sem considerar os juros da dívida— de R$ 124,1 bilhões. Dito de outra maneira, o governo terá de tomar emprestado esse montante para pagar seus compromissos mais básicos.
Criar nova despesa significa, pois, elevar a já descomunal dívida pública brasileira, a menos que se retirem recursos de outras áreas. Desse debate espinhoso, os congressistas se esquivaram.
No atual contexto de turbulência provocada pelo coronavírus, que reduz as perspectivas de crescimento econômico e arrecadação, não é descabido cogitar algum abrandamento orçamentário. Há que fazê-lo de modo criterioso.
Existe certa folga para a elevação de gastos sem descumprir o teto inscrito na Constituição —nos cálculos da Instituição Fiscal Independente (IFI, vinculada ao Senado Federal), essa margem seria de cerca de R$ 26 bilhões neste ano.
Deve-se utilizar essa possibilidade ou apenas aceitar um déficit maior decorrente de uma queda da receita? Em caso de mais dispêndio, as prioridades devem ser a saúde pública, obras de infraestrutura ou a assistência social?
São questões cujas respostas dependem da evolução da crise, das novas projeções para a arrecadação e do impacto previsto de cada despesa. Não é decisão que possa ser tomada à base de demagogia e enfrentamento político.
Inteligência judiciária – Editorial | Folha de S. Paulo
Informatização leva mais celeridade a processos, mas bom uso depende de cuidados
O avanço da tecnologia no meio jurídico brasileiro promete dar racionalidade e eficiência a processos, em geral, morosos. O progresso bem-vindo, porém, não deixa de suscitar algumas preocupações.
A lei 11.419, de 2016, estabeleceu diretrizes para a informatização do processo judicial, incluindo a comunicação eletrônica de decisões e outros atos. Cortes superiores e de segunda instância estão à frente —o Supremo Tribunal Federal já faz parte de seus julgamentos por meio do plenário virtual.
Espera-se que, com a extensão do procedimento a outros tribunais e à primeira instância do Judiciário, celeridade e transparência venham a ser a regra.
Num passo mais ousado, cortes e escritórios de advocacia têm utilizado inteligência artificial (IA) para otimizar o trabalho —como ao agrupar petições iniciais em casos semelhantes, para julgamento em bloco, ou decidir, em ações tributárias que sobrecarregam o Judiciário, quais estão ou não de acordo com as regras processuais.
Conforme se aprofunda o uso da tecnologia, questões pertinentes surgem. Nos Estados Unidos se discute, por exemplo, o risco de algoritmos hoje empregados para aferir o grau de periculosidade de acusados —que levam em conta dados como local de residência, renda e histórico familiar—estarem sujeitos a vieses raciais.
Outro cuidado, inerente à atividade judicial, é diferenciar casos repetitivos de casos excepcionais que demandam revisão de entendimentos já estabelecidos. Garantir que as partes envolvidas tenham domínio das novas tecnologias também é fundamental.
Por fim, não cabe tomar a informatização como panaceia, dado que há fatores estruturais a atravancar o custoso Judiciário nacional—que vão do elevado déficit de defensores públicos à judicialização excessiva promovida pelo próprio poder público e o uso ainda incipiente de medidas alternativas de solução de conflitos.
Mercados têm o seu pior dia desde o crash de 1987 – Editorial | Valor Econômico
Em outubro de 2008, se vale a comparação, a bolsa chegou a cair até 45% em outubro de 2008
As quedas brutais e ininterruptas dos mercados acionários e a liquidação de posições nos demais ativos chegaram à antessala do contágio financeiro. Em sua ação mais contundente, após reduzir em 0,5 ponto percentual os juros, o Federal Reserve anunciou ontem que colocará até US$ 1,5 trilhão de imediato no mercado “repo”, de troca de títulos elegíveis por dinheiro da autoridade monetária. Os investidores estão debandando em vários mercados e faltou dinheiro, o que obrigou o Fed a agir. Com isso, o balanço de ativos do Fed volta para perto dos US$ 4,5 trilhões que acumulou com o afrouxamento quantitativo.
A sequência de eventos negativos é ininterrupta e deverá prosseguir por algum tempo, até que o contágio pelo coronavírus atinja seu pico nos principais países onde hoje prolifera - nos EUA e França está no estágio inicial, ao contrário da Itália. A iniciativa do presidente Donald Trump de isolar seu país de viajantes vindos da Europa, ao mesmo tempo em que aumentam as mortes e os infectados no país, sugeriu que medidas radicais foram tomadas porque a ameaça do vírus é maior do que se supunha.
Por outro lado, o pacote de iniciativas que o presidente americano prometeu para aliviar empresas e famílias no caso de uma retração abrupta da economia americana foi pífio e considerado insuficiente. Com isso os mercados, que já abriram ontem com o circuito de interrupção, continuaram oscilando em volta de quedas próximas a 10%, nos Estados Unidos e na Europa. A correção das principais bolsas dos países desenvolvidos já ultrapassou o limiar de 20%, que caracteriza mercados baixistas. No Brasil, o Ibovespa por pouco não teve, após duas pausas forçadas, recuo de 20% em uma única jornada - perdeu 14,78%.
Antes de o Fed agir, ocorreu o batismo de fogo de Christine Lagarde à frente do Banco Central Europeu. Os investidores torceram o nariz para algumas declarações de Lagarde e para o fato de ela não ter reduzido os juros, já negativos, de -0,5% para -0,6%. A expectativa era injustificada quanto aos efeitos que a redução poderia ter e mais ainda diante do tipo de ação que o BCE buscou. Não caberia ao BCE reduzir ainda mais a margem dos bancos quando precisará deles para seu objetivo principal, que é ampliar a liquidez, via empréstimos, para empresas e famílias. A principal medida nesta direção foi a criação de linhas para os bancos emprestarem dinheiro a juros negativos de -0,75%, isto é, abaixo de -0,5% que pagam para manter os recursos estacionados. Isto é, um subsídio para que o crédito flua.
Mais ainda, o BCE, à semelhança do que fez anteontem o Banco da Inglaterra, diminuiu a exigência de capital contracíclico que os bancos são obrigados a manter e reduziu obrigações acessórias que formavam o capital de melhor qualidade (Tier 1), abrindo espaço para mais empréstimos. Adicionalmente, aumentou em pouco mais de 50% a compra de títulos via operação de refinanciamento de longo prazo, hoje em € 20 bilhões mensais. Até o fim do ano o montante será acrescido de € 120 bilhões, o que indicaria compras mensais de € 33 bilhões.
O Fed agiu logo diante dos sinais de investidores de que o mercado de títulos do Tesouro estava com problemas de liquidez. O Fed de Nova York entrou com armas pesadas para evitar princípio de desconfiança que pudesse levantar suspeitas de fragilidade em segmentos do setor financeiro. Ofereceu US$ 500 bilhões para empréstimos de 3 meses, além de ofertar hoje US$ 500 bilhões para empréstimos de um mês e mais US$ 500 bilhões para empréstimos diários. As ofertas serão semanais até 13 de abril e se acrescentam aos empréstimos overnight de US$ 175 bilhões e a outros US$ 45 bilhões, duas vezes por semana.
Se isto parece suficiente para resolver a falta de liquidez, ao menos no primeiro momento, não foi suficiente para impedir a espiral de quedas nos mercados acionários que, segundo investidores, estão colocando nos preços o pior cenário: recessão global, isolamento das principais capitais do mundo desenvolvido e aperto severo de crédito. As bolsas dos EUA tiveram perdas próximas a 10% - Dow, de 9,99%, Nasdaq 9,43% e S&P 500, de 9,51%, na pior performance desde o crash de 1987. Desde seu pico, em 19 de fevereiro, Dow e S&P 500 perderam 28%.
A bolsa brasileira é presa da saída de investidores estrangeiros para cobrir perdas nos principais mercados - o dólar chegou a bater em R$ 5 - e de sinais domésticos negativos, como a ampliação do acesso ao BPC aprovada anteontem pelo Congresso. Ainda não há chão para as cotações. Em outubro de 2008, se vale a comparação, a bolsa chegou a cair até 45% em outubro de 2008.
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