As transformações ocorridas na sociedade moderna, desde o Iluminismo e a industrialização, modificaram qualitativamente a vida política, econômica, cultural e espiritual de toda a humanidade. Construiu-se uma maneira de viver e conviver responsável pela concentração de populações nas cidades e polos industriais, modificando radicalmente as relações da própria humanidade em si e com a natureza .
Este modelo mundializou-se, transformando, destruindo e incorporando valores das sociedades anteriores, como também criando novos valores, modificando hábitos e costumes seculares, com alto custo social e ambiental, impactando cada vez mais a vida das pessoas.
A base científica e técnica da sociedade atual, principalmente a partir do aparecimento da internet – do funcionamento das redes de comunicação em escala mundial, construiu uma nova dinâmica nessas relações políticas, econômicas, culturais e espirituais, modificando crenças e valores, proporcionando uma troca de informações em tempo real, entre diferentes povos e culturas, mudando radicalmente a nossa percepção da realidade, no tempo e no espaço – território, onde vivemos e construímos as nossas vidas.
A globalização da economia é um processo inexorável. Atende às expectativas das principais economias mundiais, em confronto com os interesses da maioria dos Estados nacionais, periferia deste sistema mundial.
A sociedade e o mercado desafiam o indivíduo na sua vida cotidiana, frente a tudo e a todos, a sua capacidade de realização, de acumular e de ser competitivo. É o imperativo da sociedade contemporânea. O Ter construiu uma hegemonia, colocou-se no lugar do Ser.
Coexistem práticas, nas esferas da sociedade civil, em disputa com as organizações do Estado e do Mercado, buscando novas formas de hegemonias, trazendo para a esfera da política os desafios desta construção.
Assim, a sociedade funciona, vertiginosamente.
O que podemos fazer, nesse momento de incertezas e de dúvidas em relação ao nosso futuro imediato?
Os meios de comunicação martelam diariamente a realidade do mundo atual. Vivemos a cada dia um cenário complexo, de incertezas e preocupações individuais e coletivas. Ainda não temos clareza de como a pandemia vai ser superada. As ciências nos abrem possibilidades, tudo indicando que a vacina de combate ao corona vírus está próxima de ser produzida.
Nas ruas e nas redes somos impactados com a tragédia social, ampliada com a pandemia, atingindo milhões de pessoas excluídas das conquistas sociais elementares (trabalho, alimentação, moradia, saúde e educação).
Quais as mudanças em curso?
Quais os principais desafios pós pandemia?
Vivemos, desde o século XVII, a mudança de paradigmas milenares. Antigas e novas contradições persistem, em pleno século XXI.
Somos ainda, de alguma maneira, herdeiros do século XVII, quando a sociedade era profundamente religiosa. A religião interferia na sociedade e na vida das pessoas. Newton, Leibniz, Pascal e até Descartes tinham formação religiosa. Contribuíram muito para as mudanças de paradigmas do tempo em que viveram. Então, havia uma cumplicidade conflituosa entre a filosofia, a ciência e a religião. Avançamos, nos séculos posteriores – os séculos XVIII e XIX – com uma percepção mais ampla e sistêmica do que acontecia na sociedade e na natureza. Construiu-se, desde então, uma visão materialista da história, com a contribuição dos filósofos iluministas, de Feuerbach, de Marx e de Engels, centrada no anticlericalismo, no antidogmatismo e na crítica às religiões.
Hoje, em pleno século XXI, ainda persistem os conflitos religiosos, sociais e ambientais, alguns mais complexos, agravados com o aumento significativo da população mundial e a afrontosa concentração de riqueza produzida coletivamente e apropriada por poucas famílias e corporações mundiais.
Portanto, o mundo em que vivemos foi construído com essas bases, conflitos e contradições desses períodos históricos recentes. Lutas, derrotas, vitórias, avanços, direitos conquistados a partir da revolução francesa e da revolução russa, parteiras de novas perspectivas sociais, colocando, nos seus contextos históricos, as utopias, as ideias e as lutas de milhões pela liberdade, igualdade e fraternidade. Desafios que continuam atuais.
Desse modo, a sociedade moderna ficou mais complexa. Além das organizações estatais e dos mercados, entram em cena a sociedade civil e a questão ambiental. As organizações políticas, econômicas, culturais e religiosas precisam reinventar-se para o enfrentamento dos novos desafios da vida contemporânea. Os questionamentos e as incertezas fazem parte da vida, das nossas distintas realidades sociais.
Destaque-se ainda o impacto, cada vez maior, da ciência e da tecnologia no cotidiano das pessoas. A globalização em curso e o avanço das comunicações constroem realidades integradas e fragmentadas, impactando a vida da sociedade em geral.
As redes sociais pautam as nossas vidas, o mundo em que vivemos. Criam desejos em cada indivíduo e este, por sua vez, quer ser parte, ter acesso ao que vê nas redes e nas vitrines dos shoppings. Muitas vezes, inatingíveis a cada um de nós.
Assim, nos tempos de pandemia e de isolamento social que estamos vivendo, continuam a martelar as nossas consciências os velhos e novos desafios nestas primeiras décadas do século XXI: a construção de um humanismo que inclua a todos, sem discriminações, na perspectiva de Ser e não de Ter.
A pandemia nos remete a esta reflexão e nos desafia. O confinamento social nos faz refletir sobre a precariedade da sociedade atual e o futuro desejado por cada um de nós.
Os valores vigentes precisam ser transformados, incorporando novas narrativas econômicas, sociais, culturais e espirituais, comprometidos com a diversidade, a pluralidade e a tolerância, respeitando as diferenças dos povos e a natureza.
O trabalho em home office sinaliza para novas relações políticas, econômicas e culturais. Mudanças estão acontecendo. O despertar para a cooperação e a solidariedade está fazendo parte das nossas vidas. Estamos nos transformando? O que é provisório e o que é permanente?
Uma outra sociedade é possível, incorporando e ampliando as conquistas que nos trouxeram até aqui como humanidade, colocando a centralidade da questão democrática, com uma participação efetiva da cidadania nas decisões para transformar o mundo que temos em direção à sociedade que queremos construir.
São dilemas para a nossa vida individual e coletiva, buscando novos significados à nossa existência.
Seremos capazes?
O que cada um de nós está fazendo nessa direção?
*Professor da Universidade Federal da Bahia e da Oficina da Cátedra da Unesco em Sustentabilidade
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