sábado, 30 de maio de 2020

O que a mídia pensa - Editoriais

• Governo Bolsonaro é de minoria – Editorial | O Globo

Eleito com 39% dos votos totais, presidente perde apoio, entre outros fatores, pela epidemia

Carregado em saguões de aeroportos por militantes que o recepcionavam com gritos de “mito”, o pré-candidato Jair Bolsonaro parecia ser mais um desses exóticos concorrentes ao Planalto. Mas ganhou o segundo turno em 2018, com a ajuda da rejeição ao PT e da incapacidade do centro, à direita e à esquerda, de encontrar um nome que enfrentasse um populismo de extrema direita que também avançava em outros países.

Um ano e cinco meses de poder depois, Bolsonaro continua sendo apoiado por aqueles fanáticos que o carregavam nos ombros, e que estão no grupo de um terço do eleitorado que se mantém fiel ao presidente, apesar de todas as crises.

Pesquisa do Datafolha apurada na segunda e terça-feira, publicada ontem na “Folha de S. Paulo”, tem leitura pró-Bolsonaro e contra. A favorável chama a atenção para a solidez deste apoio de 33%, já verificada na sondagem anterior; a preocupante para o bolsonarismo é que o seu presidente, com 43% de avaliação negativa, já é o inquilino do Planalto mais mal avaliado desde a redemocratização, com um ano e meio de governo — entre Collor, Fernando Henrique, Lula e Dilma.

Nada impede que se recupere. Mas a radicalização e os modos fora de padrão de Bolsonaro não parecem ser o melhor caminho. A pesquisa foi feita depois da divulgação do vídeo da reunião ministerial de 22 de abril, cuja trilha sonora está pontilhada de palavrões e gritos do presidente.

Há uma correlação direta entre a piora na avaliação presidencial e aquelas cenas. Dos entrevistados, 55% assistiram ao vídeo, e destes, 53% consideraram “ruim ou péssimo” o governo, dez pontos percentuais acima do resultado geral da sondagem.

Outro resultado negativo para Bolsonaro é sua atuação na epidemia. O número crescente de vítimas tem tido um apelo mais forte para a população do que a pregação bolsonarista contra medidas preventivas — ontem, ao alcançar 27.878 mortos pela Covid-19, o Brasil ultrapassou a Espanha e passou a ser o quinto país do mundo com mais mortos na pandemia.

Com estes 33% de apoio firme, pelo menos até agora, o bolsonarismo curiosamente repete o lulopetismo, que nos piores momentos das revelações de suas traficâncias na corrupção mantinha um terço do eleitorado fiel. Coincidências entre pontos extremos do campo ideológico.

O bolsonarismo, que chegou ao Planalto com votos das faixas mais abonadas da população, começa a ser um pouco mais bem-visto entre os de renda baixa, ajudado pelo abono de emergência. Mas nada significante. A ver se o governo tentará fazer do auxílio, guardadas as diferenças, o que o Bolsa Família é para o lulopetismo desde sua criação. Seria fiscalmente desastroso.

Neste ano e meio de governo, Bolsonaro se firma como governo de uma minoria. Se formos levar em conta os números totais da eleição de 2018, considerando os votos brancos, nulos e abstenções, o presidente foi eleito com 39,3% dos votos totais. Mas 55,1% dos válidos, e ganhou a faixa presidencial.

• Manobra aumenta desigualdades entre os setores público e privado – Editorial | O Globo

Na crise, lobby da elite do funcionalismo conseguiu apoio presidencial para mais vantagens

O presidente protelou o quanto pôde. Mesmo diante de uma devastação nas economias estaduais, agravada pela pandemia, Jair Bolsonaro esperou vinte dias, até a última hora do último dia do prazo legal (noite de quarta-feira, dia 27) para sancionar a lei aprovada pelo Congresso garantindo socorro de R$ 60 bilhões aos estados. Levou ao limite, desnecessariamente, por duas razões básicas.

Uma delas é a sua notória indisposição para seguir os cânones constitucionais, sobre os quais se assenta a Federação, nas relações com governadores. Eles esperavam a liberação dos recursos no último dia 15. Talvez recebam até meados de junho.

Outra motivação é sua aparente incapacidade de abandonar o papel de sindicalista informal de segmentos das polícias Civil e Militar. Neles se apoiou em 2018 e, hoje, como já disse, deles se serve naquilo que chama de “serviço de inteligência pessoal”, paralelo às agências estatais.

Há semanas, quando o Congresso discutiu a partilha de sacrifícios na crise, aprovou-se redução (entre 25% e 70%) nos salários do setor privado, mas se rejeitou corte (de até 30%) na área pública. O Ministério da Economia preferiu um “congelamento” de reajustes ao funcionalismo até dezembro de 2021.

O lobby da elite de servidores pressionou por “exceções”. Foi o próprio presidente quem avalizou entendimentos para ampliar a lista de categorias isentas.

Aprovado no Congresso, o ministro Paulo Guedes apostou seu prestígio no veto. O presidente driblou o ministro protelando a decisão. Deu tempo aos servidores para pressionar governadores por aumentos.

Na véspera da sanção da lei, o próprio Bolsonaro assinou uma Medida Provisória concedendo nada menos que 8% de reajuste, retroativos a janeiro, e mais 25% de aumento a policiais civis, militares e bombeiros do Distrito Federal e dos estados do Amapá, de Roraima e de Rondônia, antigos territórios federais. A MP 971 foi publicada sem assinatura do ministro da Economia.

Na crise, a elite do funcionalismo contou com o apoio presidencial para aumentar as vantagens que servidores civis e militares já possuíam em relação aos trabalhadores do setor privado. Isso num ambiente de estabilidade no emprego público.

Essa primazia do funcionalismo se reflete na participação destacada de 60% dos servidores federais e estaduais no estrato dos 20% mais ricos do país, pelo critério de distribuição de renda per capita.

Bolsonaro acabou ajudando a ampliar as desigualdades de renda. Em plena crise, agravada pela pandemia.

• Do jeito errado e sem a maioria – Editorial | O Estado de S. Paulo

Em seus arroubos contra as instituições, o presidente Jair Bolsonaro gosta de se colocar como fiel escudeiro da vontade popular. A proximidade com o cidadão comum seria seu baluarte. Segundo o discurso bolsonarista, todo o restante seria secundário, o importante seria a conexão do presidente Bolsonaro com o sentimento majoritário da população brasileira, o que lhe autorizaria a fazer o que bem entender. O povo estaria incondicionalmente ao lado de Bolsonaro – ao lado dessa espontaneidade sem regras, freios ou protocolos.

Ainda que entusiasme os camisas pardas, esse discurso está muito distante da realidade. Na verdade, há algum tempo a maioria da população desaprova o modo como Jair Bolsonaro governa. A maioria não está ao seu lado, como indica, entre outras sondagens, a última pesquisa do Datafolha, realizada nos dias 25 e 26 de maio.

A avaliação do presidente Jair Bolsonaro é ruim ou péssima para 43% dos brasileiros. É o maior porcentual de rejeição desde o início do governo. Os que o consideram ótimo ou bom são 33%; e regular, 22%. Na comparação com os outros três presidentes anteriores – Fernando Henrique, Lula da Silva e Dilma Rousseff –, nesse mesmo tempo de governo, Jair Bolsonaro tem a pior avaliação.

A respeito do comportamento do presidente Jair Bolsonaro, 37% consideram que ele nunca se comporta de forma adequada. Em posição oposta, 13% acham que Bolsonaro se comporta adequadamente em todas as ocasiões. A rejeição é quase três vezes maior, mostrando o equívoco de dizer simplesmente que o País está dividido em relação a Bolsonaro. Há sim apoiadores do presidente, mas o fato é que existem muito mais pessoas descontentes com seu modo de governar.

Quanto à avaliação do desempenho do presidente da República em relação à pandemia, os números são ainda piores para Jair Bolsonaro. Metade dos brasileiros (50%) avalia como ruim ou péssimo o desempenho de Bolsonaro na pandemia. Aqueles que o consideram ótimo ou bom são 27%; e regular, 22%. A esse respeito, são significativas as quedas na avaliação positiva do Ministério da Saúde nos últimos dois meses, após as demissões de Luiz Henrique Mandetta e de Nelson Teich. Jair Bolsonaro pode achar que faz impunemente o que bem entender, mas a população não viu com bons olhos a atuação presidencial na Saúde.

Outro dado é que, para a maioria dos brasileiros (53%), o presidente da República tem responsabilidade, em alguma medida, pelo avanço da pandemia. Para 33% dos entrevistados, Bolsonaro é muito responsável pelo atual quadro; e para 20%, “um pouco responsável”. Vê-se que a maioria da população não acha nenhuma graça com o “e, daí?” de Bolsonaro, em relação ao número de mortes pela covid-19.

E não é apenas uma única pesquisa a mostrar a rejeição a Bolsonaro. Realizada em 28 de maio, a sondagem da XP/Ipespe aponta, por exemplo, que, para 49% dos brasileiros, o governo de Bolsonaro é ruim ou péssimo; para 26%, ótimo ou bom; e para 23%, regular. Novamente, fica evidente a desproporção da rejeição. O número de pessoas que desaprovam o governo de Jair Bolsonaro é quase o dobro das que o aprovam.

Com 17 meses de governo, é evidente que a rejeição a Bolsonaro não é nenhuma torcida contra o País ou para que o governo fracasse. É antes a decepção de quem, no início de 2019, nutria expectativas de que o novo governo pudesse trazer melhorias ao País, mas que, decorrido menos de ano e meio, vê com cansaço um quadro desolador de irresponsabilidades, ações destemperadas, conflitos desnecessários e prevalência de interesses familiares.

Trata-se de um fato: a maioria da população não apoia o modo de Jair Bolsonaro governar. Além disso, está claro, a essa altura, que esse jeito de conduzir o País, criando continuamente conflitos com outros Poderes, não lhe traz nenhum apoio popular adicional. Não se pode nem mesmo dizer que Bolsonaro esteja consolidando uma base de apoio, pois esta é cada vez menor. O que cresce é a oposição a ele. Por que não fazer do jeito certo, governando dentro dos limites constitucionais, com planejamento, competência e responsabilidade?

Talvez assim Bolsonaro experimentasse uma sensação inédita – a de ver crescer o número de pessoas que aprovam o seu governo.

• O primeiro tombo da nova crise – Editorial | O Estado de S. Paulo

Vai piorar, antes de melhorar. O aviso sinistro vale igualmente para a economia e para a saúde. O primeiro impacto da pandemia, com isolamento social, consumo retraído e produção travada, ocorreu em março, mas o novo desastre econômico já é atribuído ao novo coronavírus. No primeiro trimestre o Produto Interno Bruto (PIB) foi 1,5% menor que nos três meses finais de 2019, informou o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). O balanço do segundo trimestre será ainda mais negativo, advertiu em nota o Ministério da Economia. Se as bolas de cristal estiverem bem reguladas, os números finais do ano serão muito mais feios que aqueles conhecidos até agora. O governo já admitiu uma contração econômica de 4,7% em 2020, mas circulam estimativas bem mais sombrias.

A economia encolherá 5,89% neste ano, segundo avaliação divulgada na segunda-feira pelo Banco Central (BC). Essa é a mediana das projeções captadas numa pesquisa semanal. Expectativas bem piores, com recuos do PIB na faixa de 6% a 9%, têm sido anunciadas por algumas organizações financeiras. Avaliações negativas são formuladas também fora do Brasil. O Instituto de Finanças Internacionais, mantido por cinco centenas dos maiores bancos de todo o mundo e com sede em Washington, calcula um resultado negativo de 6,9% para a produção brasileira em 2020.

Mas o coronavírus, é importante reconhecer, só afetou sensivelmente a economia brasileira a partir da segunda quinzena de março, quando se expandiu o isolamento social. Os danos tornaram-se muito mais severos em abril, como comprova, por exemplo, o fechamento de mais de 860 mil vagas de trabalho com carteira assinada. O Ministério da Economia, tudo indica, acerta ao apontar um segundo trimestre bem pior que o primeiro. Ao publicar os dados do período janeiro-março, no entanto, o IBGE mencionou um PIB “afetado pela pandemia e distanciamento social”.

Há algum exagero nessa explicação. O quadro recém-divulgado inclui, sem dúvida, perdas ocasionadas pela doença e pelo distanciamento social, mas a economia brasileira já estava em más condições antes da pandemia. O PIB cresceu apenas 0,9% nos quatro trimestres encerrados em março, segundo os novos dados, mas o balanço final de 2019 já havia sido muito ruim.

No ano passado a economia cresceu 1,1%. Havia crescido 1,3% em cada um dos dois anos anteriores. A diferença parece pequena, mas o retrocesso fica bem claro quando se recordam as dificuldades políticas do presidente Michel Temer. Apesar desses problemas, inovações importantes foram aprovadas em seu mandato, como a modernização das leis trabalhistas e a instituição do teto de gastos. Aquela modernização, vale a pena lembrar, tornou mais flexíveis as condições de trabalho sem comprometer direitos do trabalhador.

Depois de nove meses muito ruins, a economia ainda se enfraqueceu. No quarto trimestre de 2019 o PIB foi apenas 0,4% maior que no terceiro, numa evidente perda de ritmo. O marasmo continuou. Em janeiro e fevereiro, o crescimento acumulado da produção industrial ficou em 1,6%, depois de ter caído 2,6% no bimestre final do ano passado. Nesses quatro meses, e depois em março, quando surgiu o efeito da pandemia, o setor produziu sempre menos que um ano antes.

O desemprego sempre muito alto confirma a pobreza da política econômica e o desprezo à condição dos trabalhadores – até surgirem os desafios eleitorais decorrentes da pandemia. No trimestre até fevereiro a desocupação, 12,2%, foi apenas 0,5 ponto inferior à de um ano antes.

Quando vier a retomada, o País terá muita capacidade ociosa para aproveitar. Mas o potencial de crescimento na etapa seguinte continuará limitado pelo baixo investimento em capacidade produtiva. No primeiro trimestre esse investimento correspondeu a 15,8% do PIB, pouco acima do registrado um ano antes (15%). Ao governo faltou dinheiro. O empresário nacional viveu apertado e com pouca perspectiva. O estrangeiro tem-se arriscado menos, diante da tensão constante criada pelo presidente Bolsonaro.

• O dragão chinês mostra as garras – Editorial | O Estado de S. Paulo

Enquanto o resto do mundo combate a pandemia, a China realizou sua manobra mais truculenta contra a autonomia de Hong Kong e Taiwan. No dia 20, o Congresso do Povo anunciou planos navais de assalto a uma ilha controlada por Taiwan e aprovou uma moção para uma nova lei de segurança em Hong Kong que, na prática, desmantelará o modelo “um país, dois sistemas”.

Em 1997, quando o Reino Unido passou o controle de Hong Kong à China, um tratado forjado nas Nações Unidas garantiu as liberdades políticas e o estilo de vida da população até 2047. O artigo 23 da “lei básica” de Hong Kong efetivamente previu que o seu Parlamento elaboraria uma legislação proibindo atos de “traição, secessão, sedição ou subversão” contra o governo chinês. Em 2003, as tentativas das autoridades pró-comunistas de impor uma legislação draconiana levaram 500 mil cidadãos de Hong Kong às ruas, no maior protesto em décadas. A ideia foi abandonada, mas desde que Xi Jinping assumiu o comando da China em 2013, ele tem reafirmado a hegemonia do Partido Comunista (PC), reprimindo qualquer tentativa de dissidência na sociedade chinesa, e, agora, o Partido está flexionando seus músculos além das fronteiras.

No ano passado, milhões em Hong Kong protestaram contra um decreto de extradição que iria borrar a linha que separa os dois sistemas. Nas eleições distritais de novembro, a maioria votou a favor dos que apoiaram os protestos. Agora, prevendo a eleição de uma nova maioria democrática para o Conselho Legislativo em setembro, o Congresso chinês, usurpando as prerrogativas do Parlamento de Hong Kong, anunciou uma nova legislação que garantirá ao Ministério de Segurança chinês reprimir direitos de reunião e expressão com a mesma brutalidade com que opera no território chinês. Como disse o Secretário de Estado norte-americano, Mike Pompeo, isso equivale a uma “sentença de morte” à autonomia de Hong Kong. Mal saídos da quarentena, milhares de cidadãos de Hong Kong foram às ruas, e as apreensões dos investidores sobre o futuro financeiro de Hong Kong levaram à pior queda em seu mercado de capitais em cinco anos.

Não se trata de uma manobra isolada. Desde abril, a China já abalroou um navio vietnamita em águas sob disputa no Mar do Sul chinês e estabeleceu duas unidades administrativas em ilhas reclamadas pelo Vietnã. Além disso, realizou manobras navais ostensivas próximas a uma sonda petrolífera no litoral da Malásia e reagiu com ameaças à possibilidade de Taiwan ser incluída na Assembleia-Geral da OMS, declarando que a reunificação é “inevitável”. Além da Ásia, o Partido está investindo pesadamente em campanhas de propaganda e desinformação para desmoralizar a resposta dos países ocidentais à pandemia e consolidar uma narrativa triunfalista da atuação chinesa, enquanto seus diplomatas ameaçam retaliar qualquer proposta de investigar a origem do vírus. A Austrália já sofreu sanções comerciais.

Essas agressões pedem uma resposta enérgica da comunidade global, em especial do Reino Unido – que costurou o tratado de autonomia de Hong Kong –, dos EUA e dos investidores internacionais. No ano passado, uma comissão bipartidária do Congresso norte-americano propôs uma legislação para implementar sanções oficiais a qualquer tentativa de impor uma lei de segurança sobre Hong Kong. Os avanços de Pequim devem esquentar a guerra fria que vem sendo buscada com empenho tanto por Xi Jinping como por Donald Trump para agradar às hostes nacionalistas de seus respectivos países.

O fato é que o mundo precisa se adaptar a esta ameaça crescente. Como disse o cientista político Nick Timothy em artigo no Telegraph, as manobras de Pequim “mostram que a China não é apenas mais um parceiro comercial, um país que se abrirá e se tornará mais liberal quanto mais se expuser aos costumes ocidentais”. Conforme advertiu Chris Patten, o último governante britânico de Hong Kong, “podemos confiar no povo da China, como os valentes médicos que tentaram soar o alarme sobre a camuflagem dos primeiros estágios da pandemia. Mas não podemos confiar no regime de Xi Jinping”.

• O ronco dos fracos – Editorial | Folha de S. Paulo

Bolsonaro e asseclas esbravejam contra instituições, mas têm de seguir ritos

A população já sabe que não deve levar a sério o que diz o presidente Jair Bolsonaro. Ainda assim, é forçoso anotar, até como registro para a posteridade, que, no dia 28 de maio de 2020, o chefe de Estado do Brasil afirmou, referindo-se a decisões do Poder Judiciário: “Ordens absurdas não se cumprem”.

O mandatário, que jurou submissão à Carta democrática de 1988, atravessava mais um surto autoritário. Crivado de derrotas nos tribunais, com um inquérito do Supremo tendo na véspera fechado o cerco sobre a máquina de difamações e ameaças alimentada por familiares e assessores próximos, Bolsonaro voltou a cevar a franja de lunáticos golpistas que o apoia.

“Mais um dia triste na nossa história. Mas o povo tenha certeza, foi o último. Acabou,...” e proferiu mais um de seus palavrões habituais. Pouco antes, o deputado federal Eduardo Bolsonaro declarara, num encontro de carnívoros da truculência, que a ruptura era questão de quando, não mais de se.

Os rugidos são inversamente proporcionais ao dano que essas figuras liliputianas da política brasileira podem causar à institucionalidade. Configuram-se, na verdade, sintomas do enfraquecimento e do isolamento progressivos de Jair Bolsonaro e seu círculo de fanáticos.

Em pleno século 21, decorridos 35 anos de enraizamento da democracia na sociedade e na máquina administrativa, não há hipótese de retrocesso às quarteladas do passado. Elas eram compatíveis com um país muito mais simples, quase simplório, e com um contexto global maniqueísta. Isso, sim, acabou.

O presidente da República que decida afrontar uma ordem do Poder Judiciário não disporá de tanques como salvaguarda. Enfrentará as consequências criminais e políticas que o ato estúpido implica. O parlamentar que, como Eduardo, reincide ao invocar rupturas autoritárias tem encontro marcado com o Conselho de Ética da sua Casa.

O presidente que rosnou perante a turma de agitadores violentos que o bajula no famigerado cercadinho do Alvorada foi o mesmo que, ordeiramente, ingressou com recurso no Supremo para tentar evitar o depoimento do ministro da Educação que havia insultado a corte.

O ensaio de rebeldia de Abraham Weintraub —que faria mais jus a ser titular de uma pasta da Ignorância— tampouco se materializou. Nesta sexta (29), bovinamente, cumpriu seu dever de comparecer ao depoimento no inquérito que apura ameaças a membros do STF e exerceu o direito de ficar em silêncio. Calado, aliás, é um poeta.

Nada garante que não haverá novas operações como a que alvejou bolsonaristas na quinta (27). Mas, se o presidente quiser reduzir sua probabilidade, basta andar entre as linhas traçadas pela Constituição.

• De volta à recessão – Editorial | Folha de S. Paulo

PIB mostra queda que vai se acentuar, e recuperação é ameaçada por desgoverno

Os impactos da pandemia já se fizeram sentir na economia brasileira no primeiro trimestre. Com o fechamento progressivo das atividades ao longo de março, a queda do Produto Interno Bruto chegou a 1,5% no período, ante os últimos três meses de 2019.

Como tem sido o padrão na maioria dos países, a maior retração (2,1%) se deu no consumo, por impossibilidade física ou pelo temor de perdas de renda e emprego.

Rara boa notícia foi a alta de 3,1% dos investimentos, que certamente pode ser atribuída ao quadro anterior a março. Do lado da produção, só a agropecuária cresceu (0,6%), impulsionada pela safra favorável. Indústria e serviços recuaram 1,4% e 1,6%, respectivamente.

Os resultados serão muito piores neste segundo trimestre. Com a parada geral a partir de abril, as estimativas são de retração próxima a 10%, similar às das recessões observadas em outros países.

A China, que passou pelo auge da pandemia em fevereiro, registrou contração de 9,8% no primeiro trimestre, por exemplo. Nações europeias tiveram números parecidos.

A grande diferenciação estará na volta à atividade. Quanto maior a eficiência no controle da pandemia de Covid-19 e no suporte dos governos a famílias e empresas, mais rápida será a retomada.

Nas últimas duas semanas se observou algum otimismo maior quanto à possibilidade de as principais economias do mundo retomarem as atividades gradualmente sem uma segunda onda de contágio.

Ainda assim, a maior parte das projeções indica que o PIB mundial não retornará ao nível pré-crise antes do final de 2021.

No Brasil, da mesma forma, espera-se melhora no segundo semestre, como indicam sondagens da confiança empresarial. Mas a expectativa é de um tombo de 5% a 7% para o ano, enquanto o desemprego poderá superar 15%.

Mais complexo é avaliar a perspectiva de longo prazo. O país foi atingido pela Covid-19 numa situação de fragilidade, mal tendo iniciado uma recuperação consistente depois da recessão de 2014-16.

Será difícil tomar impulso com finanças públicas em frangalhos e a gigantesca ociosidade no setor privado. Para piorar, há o presidente Jair Bolsonaro a acrescentar incerteza política à debilidade do PIB.

Não espanta, pois, que 68% dos brasileiros esperem um impacto econômico prolongado do coronavírus, segundo o Datafolha. A crise, até aqui, segue desgovernada.

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