Trump agora é governo, não uma promessa, e suas políticas têm insuflado a rejeição de negros, minorias e jovens
Os Estados Unidos voltaram a registrar um aumento de contágio pela covid-19, depois de terem iniciado a volta à normalidade a partir de maio. Quarenta dos 50 Estados estão com a propagação em alta e o número de novos casos ontem, 50,7 mil, foi maior até que nos piores dias de abril. O vírus provocou a morte de 120,6 mil americanos e infectou outros 2,67 milhões até agora. A recuperação econômica, inicialmente rápida, dá sinais de que possa arrefecer, à medida que os Estados dão meia volta nas medidas de abertura e retornam às de isolamento. Ao ferir a economia, o coronavírus poderá também impedir a reeleição de Donald Trump.
As pesquisas mais recentes colocam o democrata Joe Biden com mais de 10 pontos à frente de Trump, embora nas 18 semanas que faltam até a eleição tudo possa mudar. Trump aposta na radicalização, e não hesitará em criar uma crise institucional que leve a outra eleição altamente contestada, como foi a vitória de George W. Bush sobre Al Gore, decidida pela Suprema Corte. Ele torce para que a economia o favoreça, porque o mau desempenho econômico foi fatal para os dois incumbentes que não se reelegeram na história recente, o democrata Jimmy Carter e o republicano George H. Bush.
Os indicadores divulgados ontem, que já podem representar o passado, mostram que foram criados 4,8 milhões de empregos em junho que, somados ao de maio, recuperam 7,5 milhões de vagas das 22 milhões ceifadas pela pandemia. Trump disse ontem que os resultados eram “fantásticos”, que os EUA terão um terceiro trimestre extraordinário e que isso será especialmente bom porque “os números aparecerão bem antes da eleição”.
Um dos problemas, porém, é que sua popularidade caiu durante o surto de recuperação. Sua conduta durante a pandemia foi irresponsável, como a do congênere brasileiro, Jair Bolsonaro - disse que a covid-19 iria embora de um dia para outro e que toma hidroxicloroquina diariamente. Os EUA têm o maior número de infectados e mortos do mundo. Após a morte por sufocamento de George Floyd e os protestos contra o racismo da polícia americana, Trump tomou decididamente o lado contrário, ao criticar os manifestantes e acusá-los de terrorismo.
Como o ultraje é uma de suas armas, ameaçou usar as Forças Armadas contra os protestos, jogou a polícia contra manifestantes pacíficos para tirar uma foto patética com a Bíblia na mão diante de uma igreja. Pior ainda, marcou seu primeiro comício público durante a pandemia em Tulsa, Oklahoma, no mesmo dia em que a cidade se lembrava do massacre promovido por brancos contra negros prósperos que formavam a classe média do local. A data foi postergada em um dia e, após seus assessores pavonearem 1 milhão de pessoas inscritas, apenas 6.200 compareceram.
Trump está perdendo terreno em Estados que lhe deram vitória no colégio eleitoral em 2016. Pennsylvania, Michigan e Wisconsin, onde bateu a democrata Hillary Clinton em 2016, agora revelam preferência por Biden, também à frente na Flórida - decisiva na eleição - e no Arizona. E, o que é significativo, Biden empata com o presidente no conservador Texas. As pesquisas indicam que Trump não tem mais o apoio maciço de homens brancos de maior idade, um eleitorado até então fiel.
As eleições serão bastante conturbadas e Trump já deu o mote, ao afirmar que teme que elas serão “fraudadas”, um aviso com meses de antecedência de que só aceitará uma eventual derrota nos tribunais.
Trump até hoje luta na Suprema Corte para não tornar pública sua declaração de imposto de renda. Escapou de impeachment por usar favores russos para prejudicar sua rival Hillary em 2016. Não está entre seus princípios éticos, se existem, deixar de recorrer mais uma vez ao vale-tudo para se manter na Casa Branca.
Há tempo para reviravoltas. O eleitor de Trump é enrustido, escapa do radar de pesquisas e Joe Biden respeita orientação médica e não sai a campo na pandemia. O ex-presidente Barack Obama entrou na campanha em seu apoio, mas Biden, de 77 anos, é tido como um candidato nada vibrante. Trump o ataca por essas características e pela idade. Disse que Biden, a quem chama de “dorminhoco”, “não consegue colocar duas frases juntas”. Mas Trump agora é governo, não uma promessa, e suas políticas têm insuflado a rejeição de negros, minorias e jovens, estimulando eleitores desanimados de 2016 a comparecerem em massa às urnas novamente. Desalojar o populista-chefe da Casa Branca mudará muito o cenário político global.
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