- Folha de S. Paulo
À diferença do procurador Deltan Dallagnol, acredito no sistema de Justiça
Sei o que me custou a fama de “inimigo da Lava Jato”. Afinal, os procuradores e o então juiz Sergio Moro passaram a encarnar o bem, o belo e o justo. Pouco importava que mandassem o Estado de Direito e o devido processo legal às favas. Nunca pensei coisas lisonjeiras sobre esses varões de Plutarco. E eles ainda conseguem me surpreender. Mas não ao FBI. Vamos ver.
Deltan Dallagnol, coordenador da Lava Jato em Curitiba, resolveu subir nas tamancas porque a subprocuradora-geral Lindora Araújo, da PGR, cobrou o compartilhamento de dados de investigações lá em curso. Acusou interferência indevida, apresentou denúncia à Corregedoria do MPF —a diligência está aberta— e omitiu do público que há uma decisão de 2015 determinando esse compartilhamento. Ele não quer papo com a PGR. Só com o FBI.
Com o intuito de se descolar do governo naufragante, especialmente depois que Moro deixou o Ministério da Justiça, os valentes fizeram mira em Augusto Aras, procurador-geral da República. Tentam uma vaguinha entre aqueles, tão desiguais entre si, que enfrentam a barbárie liderada por Jair Bolsonaro, que eles ajudaram a eleger.
No embate com Aras, diga-se, receberam o apoio de Moro. Afinal, não é só o presidente que está de olho em 2022. Com o levante, pretendem explorar a proximidade do procurador-geral com o presidente, colando no primeiro a pecha de inimigo da Lava Jato e, em ambos, a de lenientes ou promotores da corrupção. É grande a chance de o dito “Mito” não concluir seu mandato, mas por outros malfeitos, sem nenhuma relação com a operação. Até Bolsonaro pode ser alvo de críticas por maus motivos.
Dallagnol está me processando. Não usarei a coluna para fazer proselitismo. Tanto o processo como a conjuração anti-Aras antecedem informações do balacobaco. Reportagem da Agência Pública, em parceria com o site The Intercept Brasil, evidencia a colaboração entre a Lava Jato e o FBI ao arrepio do Ministério da Justiça. Não é teoria da conspiração. Havendo conspiração, é fato que antecede a teoria.
Num diálogo com o também procurador Vladimir Aras (primo de Augusto, mas sem vínculos políticos), informa a reportagem, Dallagnol deixa claro que está em contato direto com o FBI para cuidar da extradição de um brasileiro. Para espanto do interlocutor, o rapaz informa que tudo se fará em parceria com a PF, mas à revelia do Ministério da Justiça e da própria PGR.
Ouve do colega tratar-se de flagrante ilegalidade. Dallangol ironiza: “Obrigado Vlad por todas as ponderações. Conversamos aqui e entendemos que não vale o risco de passar pelo executivo, nesse caso concreto. Registra pros seus anais caso um dia vá brigar pela função de autoridade central rs. E registra que a própria PF foi a primeira a dizer que não confia e preferia não fazer rs.”
Nesta quarta, o site Poder 360 informou que “os presidentes da Câmara e do Senado aparecem como ‘Rodrigo Felinto’ e ‘David Samuel’ numa extensa denúncia de dezembro de 2019”. Uma aberração: autoridades com foro especial, tudo indica, eram investigadas pela primeira instância do MPF, sem que a própria PGR tivesse ciência. E mais: “Haveria até nomes incompletos de ministros do STF, que podem ter tido seus sigilos quebrados de maneira irregular”. A operação nega irregularidades, claro.
Em conversa com colegas e com Moro, revelou reportagem da Folha e do The Intercept Brasil, Dallagnol disse que a Lava Jato precisava investir em marketing. Sugeriu a criação de um monumento em Curitiba em homenagem à operação: “A minha primeira ideia é esta: algo como dois pilares derrubados e um de pé, que deveriam sustentar uma base do país que está inclinada, derrubada. O pilar de pé simbolizando as instituições da justiça. Os dois derrubados simbolizando sistema político e sistema de justiça...”
Deveria ser processado no Tribunal da Anticafonice. Mas é ele quem me processa. Pede uma nota! À diferença do procurador, acredito no “sistema de Justiça”. Aposto que ainda há juízes no Paraná e em Brasília.
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