segunda-feira, 27 de julho de 2020

Meia volta, volver – Editorial | Folha de S. Paulo

Limitar a presença de militares da ativa no governo preservaria Forças Armadas

Os números falam por si. Sob o governo do capitão reformado do Exército Jair Bolsonaro, cresceu em 33% o número de militares da ativa em cargos comissionados.

Ampliando o escopo para todos os postos, chega-se a quase 2.900 fardados do serviço ativo na condição de agregados —ou seja, emprestados para funções civis, o que por lei pode durar até dois anos.

O universo militar na administração pública é ainda maior, chegando a 6.157 quando a conta inclui o pessoal da reserva ou aposentado.

A formação desse éthos militar, personificado por 9 de 23 ministros com origem nos quartéis, é indesejável tanto para o governo quanto para as Forças Armadas.

Atentam contra a institucionalidade cenas como a do ministro Luiz Eduardo Ramos (Secretaria de Governo) envergando seu uniforme de general em solenidade recente —felizmente ele foi compelido a ir à reserva logo na sequência.

Entes de Estado, os ramos militares não podem se confundir com governos de ocasião, sob risco de ver sua missão constitucional afetada por casuísmos políticos.

Assim, é tempestiva a sugestão do presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ), de, num futuro próximo, impedir, por meio de emenda constitucional, que militares da ativa ocupem cargos civis. As melhores práticas democráticas de fato recomendam que militares da ativa cuidem de assuntos afeitos à sua função.

Nos Estados Unidos, por exemplo, uma diretriz de 2008 estabeleceu normas rígidas para o intercâmbio entre os mundos fardado e paisano, tratado como uma exceção a ser aprovada pelo secretário de Defesa —e ele próprio só pode ser oriundo da caserna, em tempos de paz, caso tenha ido à reserva há pelo menos sete anos.

Alguns ajustes e nuances merecem ser considerados na proposta de Maia. Há posições em áreas civis, como no Ministério da Defesa ou no Gabinete de Segurança Institucional, que poderiam ser preenchidas por oficiais agregados.

Tampouco deve haver preconceito com o militar da reserva, caso tenha notório saber e capacidade para determinada função.

O pior dos mundos se vê hoje na Saúde. Não só o interino, Eduardo Pazuello, é general da ativa, como a militarização da pasta e o cumprimento de ordens exóticas de Bolsonaro são deletérias tanto ao enfrentamento da Covid-19 quanto à imagem do Exército.

O debate fará bem a um país em que a opacidade rege o meio militar. Regras de engajamento claras, como bem sabem os fardados, delimitam responsabilidades.

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