segunda-feira, 27 de julho de 2020

Nas capitais, centrão se descola de Bolsonaro em eleições municipais

Partidos do bloco não abrem mão de acordos com siglas de centro-esquerda, principalmente nas regiões Norte e Nordeste

Bernardo Mello | O Globo (26/07/2020)

RIO — Faltando cerca de um mês para a abertura da janela de oficialização de candidaturas a prefeito nas eleições de 2020, as 26 capitais do país formam um cenário pulverizado de nomes e alianças, marcado pela maleabilidade de partidos do chamado centrão para compor com diferentes forças políticas. Em meio à aproximação com o presidente Jair Bolsonaro no Congresso, as siglas do centrão aderiram apenas pontualmente a pré-candidatos bolsonaristas nas capitais e não abriram mão de acordos com siglas de centro-esquerda, especialmente no Norte e Nordeste, ou de candidaturas próprias, de olho na manutenção de capilaridade nacional.

Para líderes partidários e cientistas políticos, a variedade de alianças sinaliza que as articulações partidárias se guiaram mais por questões locais e menos pela polarização nacional. Já a fragmentação de candidaturas é tida como consequência do fim das coligações proporcionais, o que incentivou os partidos a buscarem a cabeça de chapa numa tentativa de impulsionar as nominatas de vereadores. O período de convenções partidárias, em que os candidatos são formalmente escolhidos, foi remarcado entre 31 de agosto e 16 de setembro após o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) adiar as eleições para novembro.

— A eleição municipal não segue, necessariamente, as influências e tendências de organização partidária no plano nacional. Desde que haja um projeto em sintonia com o programa do partido, não há restrição, a priori, na formação de alianças locais — afirma o presidente nacional do DEM e prefeito de Salvador, ACM Neto.

Leque de alianças
O DEM costura alianças com o PDT em pelo menos quatro capitais, seja apoiando um cabeça de chapa do partido de Ciro Gomes, caso de Fortaleza, ou recebendo o apoio pedetista a seus candidatos, situação que aparece em Macapá, São Luís e Salvador, onde o candidato será o atual vice de ACM Neto, Bruno Reis. A sigla também se aproximou do MDB, campeão de prefeituras conquistadas em 2016 (1.038), em capitais do Centro-Oeste e Nordeste.

PSD e PP, atual Progressistas, mantiveram aberto o leque de alianças apesar da aproximação com o governo Bolsonaro. O senador Ciro Nogueira (PP-PI) rompeu com o governador do Piauí Wellington Dias (PT) e estarão em lados opostos em Teresina. O PP, no entanto, apoiará o candidato do governador do Maranhão, Flávio Dino (PCdoB), em São Luís e se aproximou do PSB em capitais como Rio Branco e Palmas. Para o presidente do PSD, Gilberto Kassab, o debate entre esquerda e direita não se traduz nas disputas municipais. Com o apoio de Kassab, o PSD lançou à prefeitura de Belém o nome do deputado estadual Gustavo Sefer, próximo ao governador do Pará, Helder Barbalho (MDB). Com isso, acabou preterido o deputado bolsonarista Éder Mauro (PSD-PA), que articulava candidatura.

— Buraco na rua não tem ideologia, ele precisa ser consertado — afirma Kassab. — Temos exemplos em São Paulo mesmo: o Geraldo Alckmin perdeu uma disputa para a prefeitura e, dois anos depois, elegeu-se governador. O Lula, nessa mesma eleição, veio semanalmente apoiar a candidata do PT e perdeu. Dois anos depois, conseguiu fazer sua sucessora na Presidência.

Para o cientista político Murillo de Aragão, da Arko Pesquisas, a pauta nacional interessa a apenas parte do eleitorado numa eleição municipal, o que explica tanto a variedade de alianças quanto o distanciamento de Bolsonaro, que tem dito que não apoiará nenhum nome no primeiro turno.

— Para o Bolsonaro, não vale a pena o desgaste de popularidade e também de sua relação com o centrão. Ele correria o risco de desagradar seus aliados ao se meter no meio das rivalidades locais — diz Aragão.

Na avaliação de especialistas e lideranças partidárias, a pandemia da Covid-19 tende a predominar no início do debate eleitoral, mas com efeitos mais ligados a questões locais, a despeito das críticas feitas à gestão do governo Bolsonaro no combate ao coronavírus. Com possibilidade de recondução para 14 prefeitos, o prognóstico de nomes envolvidos no processo eleitoral é que a atuação na área da Saúde se torne palanque para quem busca a reeleição, em alguns casos, e munição para opositores em outros.

— Creio que o combate à pandemia será o foco dessa eleição, com uma grande discussão sobre quem foi bem e quem foi mal. Não vejo lideranças bolsonaristas com capacidade de agregar — afirma o presidente nacional do PDT, Carlos Lupi.

Rompidos com o PSL e sem o Aliança pelo Brasil, partido ainda distante de homologação pelo TSE, candidatos bolsonaristas se espalharam por diferentes siglas, incluindo PRTB, Patriota, Republicanos, do prefeito do Rio, Marcelo Crivella, e o PROS, que lançou o ex-PM e deputado federal Capitão Wagner à prefeitura de Fortaleza. Com articulação em Brasília, Wagner conseguiu atrair partidos até então aliados à gestão do PDT, como o Republicanos.

Na esquerda, PSB e PDT devem caminhar juntos em capitais como Rio, São Paulo e Porto Alegre e não descartaram acordos em Recife e Maceió, além de integrarem frente ampla de esquerda em Florianópolis. Por conta de rivalidades locais, as siglas não chegaram a acordos em Macapá, Curitiba, Belo Horizonte e Salvador.

Além da aliança catarinense, o PSOL encabeçará frente de esquerda em Belém em torno do ex-prefeito e deputado federal Edmilson Rodrigues. O PT, que viu seu número de prefeituras encolher quase dois terços em 2016, trabalha com candidaturas próprias em mais de 20 capitais. O partido será vice na chapa de Manuela D’Ávila (PCdoB) em Porto Alegre e pode fazer composições em São Luís e Natal. Em Recife, apesar de o diretório local resistir, o PT ainda trabalha com a candidatura da deputada federal Marília Arraes e tenta atrair o PDT. Para o cientista político Ricardo Ismael, da PUC-Rio, a fragmentação da esquerda faz parte de um cálculo eleitoral para 2022:

— O lançamento de candidatos próprios forma base municipalista. Depois do baque em 2016, o PT manteve uma base de governadores e deputados para turbinar candidatos a prefeito no Nordeste. O Sudeste ainda é um problema.

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