- O Estado de S.Paulo
Piora do risco fiscal impede que o real se beneficie da desvalorização global do dólar
As idas e vindas do presidente Jair Bolsonaro em relação à manutenção do teto de gastos, a pressão por mais investimentos públicos e a debandada de importantes assessores do Ministério da Economia são evidências de um risco que o mercado ainda insiste em não precificar corretamente: a fritura da agenda liberal veio para ficar.
Em meio ao ruído de declarações desencontradas, nos últimos dias, a forte correção nos ativos brasileiros causou estresse, mas é possível dizer que os investidores ainda dão o benefício da dúvida a Paulo Guedes e sua agenda liberal. Ou seja, o pior da turbulência não ficou para trás.
Com Bolsonaro já pensando na reeleição presidencial em 2022, parece cada vez menos provável que uma reforma administrativa avance ou que a privatização de estatais relevantes aconteça durante o mandato do presidente.
A pressão por aumento nas transferências de renda pelo governo – via prorrogação do auxílio emergencial ou novo programa de renda mínima com orçamento extra – e por maior gasto público em investimentos parece igualmente sinalizar o relaxamento das regras do teto fiscal em 2021.
É crescente o sentimento de que Guedes vem perdendo, pouco a pouco, a batalha para evitar que o teto de gastos seja driblado, evaporando a confiança de investidores na única âncora fiscal do Brasil. Não à toa, uma incerteza segue pairando no mercado: o quanto o teto é, de fato, um ponto inegociável para o ministro da Economia e o quanto ele, Guedes, é indispensável para Bolsonaro.
No último fim de semana, esse tema ressurgiu com força na imprensa: rumores davam conta de que Guedes seria substituído pelo presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, diante do que seria uma insatisfação de Bolsonaro com a resistência do ministro em aumentar os gastos públicos como quer a ala desenvolvimentista do governo, liderada por militares e ministros como Tarcísio de Freitas (Infraestrutura) e Rogério Marinho (Desenvolvimento Regional).
Na semana passada, o humor dos investidores já tinha azedado com a notícia de que o governo estava preparando medida provisória de um crédito extraordinário de R$ 5 bilhões para custear investimentos em obras de infraestrutura indicadas por parlamentares.
“O mercado está pouco precificado para esse risco fiscal, principalmente nas taxas de juros intermediárias”, diz Ettore Marchetti, sócio e responsável pelas estratégias de câmbio e renda fixa na Trafalgar Investimentos. “O risco fiscal piorou em comparação à percepção de 12 meses atrás, mas agora o ponto de partida é bem pior em termos de endividamento.”
Por enquanto, a curva de juros no Brasil embute uma taxa nominal de longo prazo entre 6,0% e 6,5%, correspondendo a juros de 2,5% a 3,0% mais uma inflação de 3,0% a 3,5%. “Basicamente, a curva está precificando apenas uma normalização da política monetária, com pouco de prêmio nos contratos mais longos, portanto a piora do risco fiscal não está devidamente refletida nos preços”, explica Marchetti.
Os gastos extras para combater a pandemia do coronavírus devem elevar o déficit primário para R$ 800 bilhões em 2020, elevando a dívida pública de quase 76% do PIB ao fim de 2019 para próximo de 100% do PIB neste ano. “O problema é que o Brasil entrou nessa crise com uma dívida maior do que a média dos países emergentes”, diz Marchetti.
Mesmo assim, investidores e analistas concentram o foco no Orçamento de 2021, cujo projeto de lei será enviado pelo governo ao Congresso até o fim deste mês, e na manutenção do teto de gastos.
O que preocupa é que uma agenda paralela, de viés desenvolvimentista, ganha cada vez mais espaço com pessoas em cargos importantes no governo.
Até quando sobreviverá a agenda liberal? A postura do novo líder do governo na Câmara, Ricardo Barros (PP-PR), um representante do Centrão, poderá ser um indicativo. Outro termômetro: o avanço de reformas importantes, como a administrativa.
Recentemente, os balões de ensaio para driblar o teto de gastos afetaram os preços dos ativos, em particular o dólar, que, na segunda-feira, superou R$ 5,51.
A piora do risco fiscal vem impedindo que o real brasileiro se beneficie da recente tendência de depreciação global do dólar. Se o mercado perder de vez a confiança na manutenção do teto de gastos, a correção no câmbio, na Bolsa e nos juros será bem mais amarga.
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