Abraçado ao centrão, Bolsonaro poderá, em busca de cacife eleitoral, jogar a austeridade e Paulo Guedes pelos ares
Pesquisas de opinião são o retrato de um momento - e este é o melhor momento do presidente Jair Bolsonaro. A mais recente pesquisa do Datafolha mostrou que 37% dos entrevistados consideram seu governo ótimo ou bom, cinco pontos acima dos 32% do levantamento de junho, e sua rejeição caiu 10 pontos percentuais, de 44% para 34%. Desde abril de 2019, é a primeira vez que a avaliação positiva supera a negativa. Pontualmente, os números surpreendem, em um contexto de recessão e mais de 100 mil mortos em uma pandemia contra a qual o presidente nada fez, e muito fez para subestimá-la e desafiar as regras para conter um vírus extremamente contagioso.
Uma interpretação possível registra que os embates contra as instituições levado à frente por Bolsonaro não o teria prejudicado, enquanto que o Congresso, que lhe negou, com razão, aprovação para seus desvarios em série, viu subir sua taxa de desaprovação - sua atuação foi avaliada como ruim ou péssima por 37% ante 32% na pesquisa anterior. O Supremo Tribunal Federal, desafiado por Bolsonaro, teve alta da avaliação negativa, 26% para 29% e queda da positiva, de 40% para 38%.
O presidente foi poupado no julgamento de sua conduta diante da pandemia. 47% dos entrevistados disseram que Bolsonaro não tem culpa nenhuma pelas mais de 100 mil mortes pelo coronavírus no país, embora a formulação da pergunta permita uma ampla gradação de responsabilidades na mesma resposta. Dos 53% que lhe atribuem culpa, 11% o consideram o principal culpado, e 42% um deles, mas não o principal.
Entre 25 de maio e 11 de agosto não variou a fatia dos que acham que o presidente é muito responsável pelo avanço do coronavírus - 33%. A dos que acham que ele não é subiu de 45% para 49%. A estratégia clara de Bolsonaro foi tentar jogar a conta do combate ao vírus para os governadores e seus lockdowns aos quais se opôs. A proporção dos que acham que os governadores são muito responsáveis pelo avanço da covid-19 subiu de 19% para 24%.
Algum áulico apressado poderia interpretar que tudo o que o presidente fez - e deixou de fazer - nos últimos tempos deu certo. Enfrentou o Congresso e o STF, desgastando a imagem deles, mas não a sua. Teria saído isento de responsabilidade por sua atitude desumana de agir contra a coordenação do Executivo do combate à pandemia e desafiar a obrigação de usar máscara, além de pregar a ineficaz cloroquina como remédio mágico contra o coronavírus. Nesta batalha, ainda conseguiu desgastar os governadores.
Embora tenha perdido parte do apoio entre pessoas de alta renda e mais instruídas, recebeu de surpresa, para quem não contava com sua astúcia, o apoio crescente dos que recebem até dois salários mínimos, especialmente na região Nordeste, na qual vem tendo a pior avaliação desde as eleições.
Dois fatos contribuíram para a melhor avaliação de Bolsonaro. O primeiro, decisivo, foi o auxílio emergencial, que seria de R$ 200 pela vontade do ministro da Economia e acabou em R$ 600 por pressão do Congresso. O auxílio atingiu principalmente quem recebe até os dois mínimos - e o Nordeste foi a de maior número de pedidos e aprovações - e os trabalhadores informais e por conta própria, que nunca foram incluídos como parte da rede social de proteção oficial em momentos de crise. Em todas essas categorias o apoio a Bolsonaro aumentou, embora o presidente não seja fã de programas sociais nem consta que tivesse algum em mente até antes da pandemia. Outro fator, menos importante, foi o mutismo do presidente - que já nas eleições, mas involuntariamente, o poupou de demonstrar a vacuidade de suas ideias.
O acompanhamento das pesquisas Datafolha desde o início do governo, porém, mostra que a paisagem na qual se move Bolsonaro não se alterou muito. A rejeição do Congresso já foi pior - em dezembro, passou de 40% e caiu agora a 37%; e a do Supremo, em alta, é menor do que no começo de 2019 - 29% ante 39%. A avaliação positiva do STF, mesmo com percalços, subiu no governo Bolsonaro de 19% para 27%, e a do Congresso, de 41% para 43%. A rejeição a Bolsonaro, porém, continua maior hoje do que foi após a posse e a fatia das pessoas que não confiam nele segue alta, 41%.
A elevação da popularidade de Bolsonaro se deve a uma excepcionalidade, não é tendência. Não há dinheiro para manter o auxílio emergencial e seu fim pode erodir o ganho momentâneo. Abraçado ao centrão, Bolsonaro poderá, em busca de cacife eleitoral, jogar a austeridade e Paulo Guedes pelos ares. É improvável que se beneficie muito com o que virá depois.
Nenhum comentário:
Postar um comentário