- Folha de S. Paulo / O Globo
O comissário petista avacalhou as delações
Não foi por falta de aviso. Em 2018, quando se falava numa eventual colaboração de Antonio Palocci, ex-ministro da Fazenda de Lula e quindim da banca, o procurador Carlos Fernando dos Santos Lima, da Lava-Jato, dizia que aquilo que poderia ser uma delação do “fim do mundo” estava mais para “fim da picada”. Palocci negociava com o Ministério Público, mas sua colaboração foi rebarbada. O doutor estava na cadeia, onde cultivava uma pequena horta. Começou a conversar com a Polícia Federal e com ela conseguiu fechar um acordo que o levou para casa. Passaram-se alguns meses, e Carlos Fernando voltou à carga: “O procedimento de delação virou um caos”.
De nada serviram as advertências. O caos prosperou, e a colaboração de Palocci, com suas 86 páginas, foi astuciosamente divulgada pelo juiz Sergio Moro dias antes do primeiro turno da eleição de 2018.
Olhada de longe, foi explosiva. Examinada de perto, assemelhava-se à cabeça daqueles que Tancredo Neves queria maltratar: “Parece um terreno baldio, onde as pessoas que passam jogam o que querem”. Naquele terreno baldio havia lixo, mas lá estavam também coisas que poderiam ser investigadas. A ajuda do ditador líbio Muamar Kadafi às primeiras campanhas de Lula, por exemplo. Palocci indicou como o dinheiro teria chegado ao PT, mas não se conhece providência para puxar esse fio.
Num dos 39 anexos, Palocci contou à Polícia Federal que Lula acertou com o banqueiro André Esteves (BTG) uma conta-propina de R$ 10 milhões que seria abastecida pelos ganhos com informações privilegiadas. O comissário indicou detalhadamente como o banco foi favorecido. A PF quebrou sigilos, ouviu operadores e dois personagens que estavam colaborando com a Justiça.
Conclusão: “As afirmações feitas por Palocci parecem todas ter sido baseadas em dados públicos, sem acréscimo de elementos de corroboração, a não ser notícias de jornais”.
A Polícia Federal colheu o depoimento, Moro jogou-o no ventilador, e agora a própria PF concluiu que ali havia muito pirão e nenhuma carne.
A estrepitosa colaboração de Palocci incriminou algumas das maiores empresas do país, constrangeu cidadãos, alimentou vinditas e ações espetaculosas. O encanto que o andar de cima teve pelo então ministro da Fazenda permite supor que ele mantivesse relações promíscuas com alguns maganos. O médico que o PT elegeu prefeito de Ribeirão Preto em 1992 acumulou considerável patrimônio, devolveu uma parte, ralou uma cadeia e hoje está preso em casa. Tornou-se símbolo do “fim da picada” e do “caos” previstos e denunciados pelo procurador Carlos Fernando. Sua colaboração, liberada durante a campanha eleitoral pelo juiz que desafortunadamente viria a aceitar o Ministério da Justiça de Jair Bolsonaro, caminha para ser o que sempre foi: uma ardilosa construção para tirá-lo da carceragem de Curitiba.
Palocci transformou em realidade a piada do advogado que, na madrugada de 24 de agosto de 1954, teria sido chamado para atender um cliente preso com uma faca ensanguentada, saindo de um quarto de pensão do Catete onde estava, morta, uma mulher. O advogado não sabia o que fazer, até que, às oito e meia da manhã, um rádio anunciou o suicídio de Getúlio Vargas.
O rábula virou-se para o delegado e disse: “Doutor, esses dois eventos são conexos.”
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