- Valor Econômico
Dados de inteligência ‘stricto sensu’ ficam de fora de relatórios
As autoridades que já tiveram acesso ao relatório de inteligência dedicado a policiais antifascistas foram unânimes nas críticas à forma e ao conteúdo do documento. No Congresso e no Supremo Tribunal Federal, o mais perto que o material chegou de um elogio foi a comparação a um clipping de notícias. Antes, a avaliação não passou de “inútil”, “fofocaiada”, “perda de tempo” ou “desinteligência”.
O anticlímax deveu-se ao fato de que as supostas informações “ultrassecretas” eram, na verdade, apanhados da internet, tecnicamente chamados de “dados abertos”. Segundo explicaram profissionais de inteligência do governo, é esse tipo de informação que costuma ser colocado nos relatórios, especialmente aqueles que circulam entre os vários sistemas de inteligência e que são compartilhados por autoridades de todo o país.
Os dados de inteligência “stricto sensu”, coletados por informantes ou profissionais infiltrados, por exemplo, têm o acesso muito mais limitado. O próprio ministro da Justiça, André Mendonça, admitiu em entrevistas recentes que se o governo federal estivesse, de fato, reunindo informações para fins de perseguição política, esses dados não estariam nos relatórios.
“Se tudo for 100% documentado, então não é inteligência”, resumiu um profissional com anos de experiência na arapongagem federal. Por essa razão, segundo ele, é pouco provável que uma ordem do STF inviabilize totalmente a coleta de informações de inteligência, seja contra policiais antifascistas ou qualquer outro grupo. “Os relatórios podem até parar; a informação eu não garantiria”, ironizou.
Apesar do discurso cordial adotado por André Mendonça após o Supremo determinar, por 9 votos a 1, a proibição de relatórios contra antifascistas, a decisão foi recebida com indignação no governo. Os votos dos ministros do STF foram classificados de “ridículos” e desprovidos de qualquer conhecimento sobre a atividade de inteligência.
O sentimento é que houve uma tentativa deliberada de se criminalizar uma atividade legítima, realizada de forma contínua por governos anteriores - o que foi negado por ex-ministros da Justiça. Aliados do presidente Jair Bolsonaro também sustentam que a decisão do Supremo incentiva potenciais criminosos a se esconderem atrás do codinome “antifascista”, que agora teria ficado blindado.
A própria alcunha do movimento foi questionada. O argumento é de que não se trata de um grupo antifascista, mas sim anti-Bolsonaro, considerando que o presidente recebeu de uma parcela da sociedade a pecha de fascista. Ainda assim, sustentam os governistas, trata-se de lideranças armadas, cujas condutas devem ser vigiadas seja qual for o viés ideológico.
Quem teve acesso à lista diz que há nela muitos candidatos nas eleições municipais deste ano, o que torna ainda mais preocupante o fato de essas pessoas estarem sendo monitoradas pelo governo.
Há, ainda, uma tese de que a decisão pode manchar a imagem do Brasil perante os órgãos de inteligência internacionais. Também há uma aposta de que, cedo ou tarde, o Supremo irá voltar atrás, como aconteceu no episódio envolvendo os relatórios de inteligência do Conselho de Controle de Atividades Financeiras, o Coaf.
Em julho do ano passado, o presidente da corte, Dias Toffoli, determinou a suspensão de investigações criminais baseadas em dados compartilhados pelo Coaf. Poucos meses depois - diante de uma derrota iminente no plenário do tribunal -, ele recuou de sua própria decisão e autorizou a retomada dos compartilhamentos de informações de inteligência.
A indignação governista, é verdade, não ecoou como se esperava nas palavras do ministro da Justiça, cuja ascensão meteórica começa a se aproximar do destino final. Favorito para substituir o decano Celso de Mello no Supremo, Mendonça assumiu a pasta a contragosto em abril, confortável que estava no comando da Advocacia-Geral da União (AGU), de onde é funcionário de carreira.
O voo direto e tranquilo rumo ao STF foi cancelado e alterado para uma viagem turbulenta e com escala no Ministério da Justiça. Na cadeira que era ocupada por Sergio Moro - um dos principais fiadores do governo -, Mendonça virou vidraça. Como costuma dizer a pessoas próximas, deixou a advocacia jurídica para entrar na advocacia política, o que lhe cobrou uma defesa mais enérgica, e muitas vezes questionável, de Bolsonaro.
O ministro chocou o mundo jurídico ao assinar pessoalmente a defesa do governo perante o STF, como quando pediu um habeas corpus para evitar o depoimento do então ministro da Educação, Abraham Weintraub. Para esse tipo de solicitação, a praxe era de que a peça fosse assinada por seu sucessor na AGU, José Levi.
A fidelidade ao presidente, a quem já chamou de “profeta”, e a resiliência para suportar as crises seguirão firmes até novembro, quando Bolsonaro confirmará a sua primeira indicação para o Supremo. Outro cotado para o posto, o influente ministro da Secretaria-Geral da Presidência, Jorge Oliveira, revelou em entrevista ao Valor, publicada ontem, que seu candidato se chama André Mendonça.
No episódio do dossiê antifascista, porém, Mendonça teve que se equilibrar entre defender o governo e mantear de pé a bandeira branca hasteada recentemente por Bolsonaro em relação ao STF.
Apesar de reivindicar a regularidade dos relatórios, ele mandou embora o então diretor de Inteligência Gilson Libório de Oliveira Mendes. Ele estava no ministério desde o governo do ex-presidente Michel Temer, quando era secretário-executivo da pasta.
Pessoas influentes no Planalto defendem que Libório seja reintegrado caso a sindicância instaurada ateste que nada houve de irregular.
Uma das condições para isso é a comprovação de que apenas informações baseadas em “dados abertos” foram incluídas no relatório. Quanto às informações que ficaram de fora, não dá pra dizer o mesmo.
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