Só a lógica eleitoral explica um balaio de propostas tão díspares. O risco é o ‘big bang’ virar um gemido
É previsível como o movimento dos corpos celestes. Basta haver pressão na economia — e ela se tornou insuportável na pandemia —, e lá vem o governo com mais um pacote. O que será apresentado pelo ministro Paulo Guedes tem a pretensão de ser um “big bang”, uma explosão criadora. Pelo que veio a público nos últimos dias, ficará longe disso. A ideia é reunir sob um mesmo slogan, Pró-Brasil, um emaranhado de propostas capazes de dar ao presidente Jair Bolsonaro uma nova bandeira eleitoral, de olho na reeleição. Antes de programa para a economia, portanto, o que vem aí é mais uma peça de propaganda.
Só a lógica eleitoral explica reunir num mesmo balaio propostas tão díspares quanto a desoneração de impostos para eletrodomésticos, a ampliação da faixa de isenção do imposto de renda, a recriação da CPMF, um programa de obras de infraestrutura, a revisão do pacto federativo e a ampliação do Bolsa Família, rebatizado Renda Brasil. Se o nexo econômico ficou em segundo plano, tais medidas são perfeitamente compreensíveis quando analisadas sob o prisma da política. Cada uma satisfaz a interesses de um público específico, de relevância eleitoral inegável.
O efeito na realidade é mais complicado. Como financiar o Renda Brasil, com benefícios mensais mínimos de R$ 250? Se atender a 30% dos brasileiros, como o atual auxílio emergencial, custaria quase o dobro dos atuais R$ 33 bilhões gastos com o Bolsa Família, segundo uma análise do economista Marcos Mendes. De onde viria o resto do dinheiro? O governo fala em acabar com abono salarial, seguro-defeso e salário-família. Os três somam menos de R$ 25 bilhões. Só aí estaria aberto um buraco de R$ 10 bilhões. E os R$ 5 bilhões previstos para infraestrutura? E as isenções de IR, IPI de eletrodomésticos ou a desoneração da folha para salários de até um mínimo?
Para levar tudo a cabo respeitando o teto de gastos, é preciso tirar recursos de outros lugares. O governo fala em acabar com carimbos orçamentários, como reajustes automáticos, por meio da proposta de emenda do pacto federativo. Mas é justamente na miséria dos detalhes que naufragam as melhores intenções. Aprovar emendas depende de apoio amplo no Legislativo — que, como ficou comprovado na semana passada, nem sempre está disposto a dizer amém ao Executivo, sobretudo quando o próprio presidente da República não demonstra muita convicção.
As duas reformas mais necessárias são a tributária e a administrativa. Aliadas a privatizações, dariam fôlego a uma economia sufocada, além de permitirem recobrar a saúde fiscal. Em nenhuma, o governo tem demonstrado consistência. Na tributária, desperdiçou a discussão avançada no Congresso em troca de quimeras como a nova CPMF. A administrativa só recebeu sinal verde se não afetar servidores da ativa, eleitorado com forte poder de pressão. O jogo político favorece tudo o que amplia gastos e é eleitoralmente atraente — e desfavorece o mais urgente. O risco é, como no verso célebre, a grande explosão não passar de um gemido.
Nenhum comentário:
Postar um comentário