A saúde tem evidente dimensão humana, mas a verdade é que custa dinheiro tratar das pessoas, não bastam os espíritos abnegados
A sociedade brasileira, por meio de seus representantes constituintes, decidiu ter um sistema de saúde universal e gratuito. Deste anseio nasceu o Sistema Único de Saúde (SUS), inspirado no britânico Serviço Nacional de Saúde (NHS, na sigla em inglês). Mais de três décadas após seu advento, com o modelo já consolidado, é difícil imaginar o País sem o SUS.
Muitos cidadãos não fazem ideia de quão precário era o atendimento médico para quem tinha pouco ou nenhum dinheiro no Brasil até o início da década de 1990. Aos que não podiam pagar por um plano de saúde ou não estavam empregados “com carteira assinada”, quando adoeciam, só restava a inestimável caridade das Santas Casas e de outros hospitais filantrópicos ou os escassos hospitais públicos de seus Estados e municípios. Em boa hora, este descaso quase darwinista com o bem-estar de milhões de pessoas foi substituído por uma nova política de saúde pública mais humana e abrangente. Mas isto custa muito caro.
Em que pese o incontestável aprimoramento da cidadania a partir da criação do SUS, há problemas renitentes que precisam ser superados para que, além de universal e gratuito, o sistema também seja reconhecido pela qualidade dos serviços que presta à população. E para tanto o SUS precisa ser bem financiado. A bem da verdade, nunca foi.
O SUS demanda muito dinheiro, seja para custeio, seja para investimentos em pesquisa, melhorias e aumento da capacidade de atendimento. Há muitos anos lida com a iminência de um colapso financeiro. A última atualização da tabela de procedimentos cobertos pelo SUS ocorreu em outubro de 2007. De lá para cá, aumentou tanto o número de atendimentos prestados como o grau de complexidade dos procedimentos. No entanto, a remuneração dos hospitais não acompanhou essa evolução. Resultado: hospitais fechados, funcionando precariamente ou endividados. As Santas Casas que o digam.
Para dar ideia da dimensão do problema, o SUS paga R$ 1.713,97 por uma cirurgia para remoção de pulmão, de alta complexidade. Um exame de ultrassonografia de abdômen é remunerado com R$ 20,00. Que hospital aguenta tanto tempo recebendo tão pouco? Na Comissão de Seguridade Social e Família da Câmara dos Deputados tramita uma série de projetos que tratam do reajuste da tabela e da remodelagem do financiamento do SUS. Essa discussão precisa avançar sem mais delongas.
Do subfinanciamento, sem esquecer da má gestão e dos crimes praticados contra a administração pública, decorrem os casos de sucateamento dos hospitais, a baixa remuneração dos profissionais da saúde, as longas filas de espera por exames e cirurgias e a falta de medicamentos de uso contínuo, entre outros transtornos para os cidadãos.
A Nação fez a clara opção por ter um robusto sistema público de saúde, universal e gratuito. O SUS é uma inequívoca vitória e os saltos de qualidade na prestação de serviços de saúde, em especial na atenção básica, estão aí para demonstrar a sua importância vital para o País. É imprescindível que governo e sociedade avancem na discussão de projetos que possam garantir não só a melhora presente dos serviços prestados pelo SUS, mas a própria sustentabilidade do sistema no futuro, pois a alternativa é impensável: o abandono de 150 milhões de cidadãos à própria sorte. A pressão pelo aumento do número de cidadãos que dependem exclusivamente do SUS torna ainda mais premente este debate.
Há demasiado tempo o SUS clama por cuidados à altura de sua relevância para o País. A saúde tem evidente dimensão humana, mas a verdade é que custa dinheiro tratar das pessoas, não bastam os espíritos abnegados. Não há tempo a perder quando se está diante da atenção à vida e à saúde de milhões de brasileiros. Passa da hora de cuidar do futuro do SUS, e isso nada mais é do que cuidar do futuro de cada cidadão que conta com o sistema público para ter uma vida saudável e produtiva.
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