Paulo Guedes mascateia a CPMF como se fosse uma cloroquina para a economia
Com manhas de mascate, o ministro da Economia, Paulo Guedes, aparece a cada dia com uma nova conversa para vender sua CPMF, reformulada e ajustada às novas tecnologias. A conversa pode mudar, mas nenhum processo eletrônico elimina os defeitos do velho imposto do cheque, enterrado sem honras pelo Congresso Nacional em 2007. Agora ele promete, em troca da aprovação de seu monstrinho tributário, elevar a faixa de isenção do Imposto de Renda das Pessoas Físicas (IRPF), hoje válida para quem ganha até R$ 1.903,98 por mês.
Nenhuma conversa desse tipo seria necessária, se a CPMF recauchutada fosse boa. Além disso, ninguém pode levar a sério essa promessa, quando nem a isenção do IRPF tem sido corrigida pela inflação. Houve poucas correções desde 1996. Em maio deste ano, uma defasagem acumulada de 95,46% foi apontada por um estudo do Sindifisco, o Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal.
Ainda em maio, o presidente Jair Bolsonaro disse ter recomendado ao ministro Paulo Guedes a atualização da tabela com base na inflação deste ano. Mas nem a sugestão presidencial ecoa no Ministério da Economia. Com a pandemia, o desarranjo financeiro do governo aumentou, o conserto será demorado e técnicos da área econômica esconjuram qualquer discussão sobre alívios fiscais. O déficit primário do governo central, projetado em R$ 124 bilhões antes da nova crise, poderá passar de R$ 600 bilhões neste ano. Isso foi lembrado, por exemplo, quando se falou de estender até o fim de 2021 a desoneração da folha salarial de 17 setores para preservar, segundo se argumentou, entre 6 milhões e 8 milhões de empregos.
Antes de propor a isenção maior do IRPF em troca da aprovação da CPMF, o ministro deveria discutir questões mais urgentes, começando por um roteiro para a retomada econômica (ainda desconhecido). Poderia pensar num plano de reindustrialização do País, para reverter a longa deterioração setorial, iniciada há pelo menos dez anos. Nada disso parece ter alguma importância em sua agenda. Mas um de seus débitos de curtíssimo prazo está relacionado à própria reforma tributária.
O ministro continua devendo um projeto de reforma do sistema de impostos e contribuições. Insiste em tratar da criação da nova CPMF, mas sem explicar como ficará o novo conjunto. Ele entregou ao Congresso, recentemente, uma proposta de unificação do PIS e da Cofins para formar um imposto sobre valor agregado (IVA). Além de menos ambiciosa que dois projetos já em discussão no Parlamento, aquela unificação representa, segundo o ministro, apenas a primeira fatia de uma reforma.
Mas essa fatia vale praticamente nada, porque pode ser assimilada, facilmente, em qualquer das duas propostas de emenda à Constituição (PECs) já em exame, uma na Câmara dos Deputados, outra no Senado. Anulada essa parte, a contribuição do governo ao debate sobre a reforma tributária se restringe, portanto, às tentativas de venda da nova CPMF e à bandeira de desoneração da folha de pagamentos.
O ministro vincula os dois itens. Redesenhado em versão eletrônica, o velho imposto do cheque tem sido apresentado como contrapartida do alívio tributário da folha. Além disso, é claro, a velha contribuição em sua nova forma permitirá, como foi dito nos últimos dias, elevar a isenção do IRPF. Como um vendedor de remédio milagroso, o ministro amplia sua conversa ao mascatear seu produto diante de uma clientela resistente. A CPMF é uma cloroquina fiscal. Combinada com a desoneração da folha, torna-se uma hidroxicloroquina.
Regressiva, cumulativa e incidente sobre a mera transferência de dinheiro, a CPMF é uma conhecida aberração. Quanto à simplificação do sistema e à desoneração da folha, são objetivos importantes, mas é preciso discuti-los com seriedade e com senso de proporção. O ministro mascateia a desoneração e a redução dos direitos trabalhistas como se apenas disso dependessem o crescimento e a criação de empregos. Serão tão simples os problemas de uma das maiores economias do mundo? Que bom se fossem.
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