Executivo e Legislativo se unem em torno de medidas que, mesmo desafiadoras, são exequíveis
No dia em que o PIB brasileiro registrou seu pior trimestre em décadas e, tecnicamente, o país entrou de novo em recessão, o governo parece enfim ter começado a reagir de modo consistente ao desafio econômico. No lugar da disputa velada que marcou as últimas semanas, o presidente Jair Bolsonaro e o ministro Paulo Guedes, ladeados pelos líderes do governo no Legislativo, demonstraram ontem, ao anunciar novas medidas, uma união que muitos julgavam improvável. Não em torno de um pacote mirabolante, de viabilidade tão remota quanto o próprio “big bang” que lhe dava nome. Mas ao redor de medidas concretas que, embora desafiadoras, formam um programa exequível.
Primeiro, todos reafirmaram o compromisso com o teto de gastos. Não é pouca coisa. Neste ano, o rombo fiscal deve chegar a US$ 800 bilhões, mais de 11% do PIB, em virtude do choque da pandemia. Para o ano que vem, mesmo com crescimento estimado em mais de 3%, o Orçamento prevê um buraco de R$ 233 bilhões, sem fixá-lo como meta. Também estima que será necessária uma nova autorização extraordinária do Congresso para violar a regra constitucional que veta contrair dívidas para custear despesas correntes — a regra de ouro — e tomar R$ 454 bilhões emprestados no mercado. Sem cumprimento garantido da meta fiscal nem da regra de ouro, o teto é a única âncora que hoje mantém o gasto público sob controle. Dele dependem a confiança do mercado e a estabilidade da moeda.
Segundo, Bolsonaro deixou mais claro seu plano para o futuro do auxílio emergencial. Em vez de anunciar um programa ambicioso, o tão falado Renda Brasil, de custo incerto e sem lastro orçamentário, decidiu renovar o auxílio por quatro meses, ainda sob a vigência da calamidade pública que permite flexibilidade orçamentária. O valor da parcela foi reduzido pela metade, a R$ 300 — ao custo de R$ 100 bilhões para os cofres públicos. Depois, se Bolsonaro insistir mesmo no Renda Brasil, espera-se que o Congresso respeite os limites orçamentários para implantá-lo. Qualquer que seja a decisão, que caiba no bolso do contribuinte.
Por fim, Bolsonaro e Guedes prometem entregar amanhã ao Congresso a proposta de reforma administrativa engavetada desde o ano passado. É um passo correto, na direção das reformas difíceis, mas necessárias. O objetivo da administrativa é conferir racionalidade às carreiras do setor público, uma máquina de gerar desigualdades. E, em consequência, reduzir o patamar absurdo de gastos obrigatórios, 94% do Orçamento, de modo a liberar recursos para onde são mais necessários, sejam investimentos em infraestrutura, sejam programas sociais. O ideal seria que a reforma valesse também para servidores da ativa. Bolsonaro só aceitou enviá-la para novos contratados. O Congresso, naturalmente, é soberano. Se prevalecer o clima de união demonstrado ontem, o Brasil poderá enfim começar a se livrar do fardo da burocracia estatal cara e ineficiente.
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