- Folha de S. Paulo
Queda inédita era prevista, mas economia já andava muito mal antes de ser infectada pelo vírus
A economia brasileira foi o desastre mais ou menos esperado no segundo trimestre. O que se descobriu agora é que, mesmo antes da calamidade do vírus, o PIB já dava com a cara no chão e quebrava uns dentes, em vez de decolar, como dizia Paulo Guedes, o ministro da Economia.
Segundo a revisão do IBGE, o PIB caiu 2,5% no primeiro trimestre (ante o final de 2019), não apenas 1,5%. Ou seja, estamos em um buraco um pouco mais profundo do que o previsto. Em março, quando o coronavírus já caçava vítimas pelo Brasil e o mundo inteiro fechava as portas, Guedes dizia que o Brasil cresceria 1% em 2020. A previsão mais recente do povo do mercado era de queda de 5,3%, antes de saber dos dados ainda piores do primeiro trimestre.
Guedes agora diz que a economia brasileira vai se recuperar em “V” (ou seja, cai e se levanta tão rapidamente quanto). Tomara. Até agora, não parece.
O desempenho brasileiro foi horrivelmente similar à média das maiores economias do mundo e melhor que o da maioria da Europa ocidental. No segundo trimestre, o PIB dos países da OCDE baixou 9,8% (o do Brasil, 9,7%). A OCDE é um clube de três dúzias dos países com os maiores PIBs do mundo (mas China e Brasil não estão lá).
O resultado brasileiro não foi ainda pior porque:
1. o gasto do governo foi relevante, grande na comparação internacional;
2. o setor externo ajudou (com uma contribuição de 2,3 ponto percentual para o PIB): as exportações resistiram, as importações caíram
Por falar em auxílio do governo, note-se que por volta de março Guedes também dizia que com “uns R$ 5 bilhões” se resolveria o problema da pandemia (o governo acabará gastando mais de meio trilhão de reais extras) e propunha auxílio emergencial de R$ 200 (é no mínimo de R$ 600).
Guedes acha que o resultado do segundo trimestre é um ruído de um acontecimento que está agora a uma distância astronômica, tão astronômica quanto seus erros de previsão e e desvarios quantitativos, entre outros (o Brasil decolava no início do ano, cresceria 1% neste ano, privatizaria empresas no valor de R$ 1 trilhão, teria déficit zero em 2019 etc.).
O terceiro trimestre decerto está sendo melhor. Sim, saímos do fundo do poço mais recente, mas ainda estamos dentro do buracão e há problemas sérios na recuperação adiante:
1. o auxílio emergencial vai ser cortado pela metade, de R$ 600 para R$ 300. A economia vai ter de despiorar muito rápido para criar renda bastante para compensar essa diferença;
2. o setor de serviços está muito estropiado e ainda ficará assim por meses, dada a longa duração da epidemia no Brasil;
3. o investimento em novas instalações produtivas, casas, máquinas e equipamentos se arrastava antes do vírus; difícil ver como vai sair do chão (na verdade, do buraco) em uma economia ainda mais deprimida e com investimento público ainda mais reduzido.
Nas categorias em que o IBGE divide o PIB, o setor mais desastroso foi “outros serviços”: caiu quase 19,8% em relação ao primeiro trimestre (inclui atividades como alimentação fora de casa, hotéis e similares, serviços pessoais, profissionais liberais, saúde e educação privadas, entretenimento, cultura, esportes). A seguir, veio o setor de transportes, armazenamento e correios, com queda de 19,3%.
Juntos, “outros serviços” e “transportes” fazem quase 29% da economia brasileira. Com o comércio, são 42,4% do PIB.
Os dados mais recentes do setor de serviços indicam uma despiora lenta. Em agosto, as vendas no setor de serviços em geral ainda estavam 46% abaixo do registrado em fevereiro, antes da pandemia (ante alta de 3,2% nas vendas de bens não-duráveis e queda menor, de 4,8%, nas vendas de bens duráveis). Os dados são da Cielo, de despesas com cartão no varejo.
“Nós humanos somos átomos que raciocinam. Economia não é uma ciência exata. Como a velocidade da luz é diferente da velocidade do som, você vê um raio muito cedo e o som chega muito depois. É a mesma coisa com a economia”, discursou Guedes sobre o PIB nesta terça-feira (1º).
Guedes enxerga a luz dos astros antes de nós.
Dados os seus erros de anos-luz de distância e conversas desvairadas assim, parece que o ministro anda vendo coisas. Estrelas, pelo menos.
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