O presidente e auxiliares terão de escolher entre um complexo esforço de renovação e a estratégia presidencial seguida até agora, a do populismo eleitoreiro
“Estamos decolando em V”, anunciou o ministro da Economia, Paulo Guedes, numa exibição de invejável otimismo, como se o desastre do segundo trimestre fosse velharia histórica. “Isso é impacto do raio que caiu em abril”, disse ele, “som de um passado distante.” Não tão distante, no entanto, para quem vive fora dos gabinetes oficiais. Juntando-se os desempregados e os trabalhadores fora do mercado, mas dispostos a trabalhar, chegava-se, em agosto, a cerca de 40 milhões, mais que o dobro da população chilena. No segundo trimestre o Produto Interno Bruto (PIB) despencou 9,7%, no maior tombo da série histórica trimestral iniciada em 1996.
Mas aonde leva a celebrada recuperação em V? De volta a uma prosperidade imaginária?
Não havia prosperidade quando o coronavírus desembarcou. No primeiro trimestre a economia encolheu 2,5%. A estimativa anterior havia apontado uma contração de 1,5%, um resultado já muito feio. Mas esse cálculo foi revisto e o novo número acaba de ser divulgado, juntamente com os dados do segundo trimestre, pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Muita gente pode nem dar atenção a esse detalhe, mas o dado é muito importante.
Antes do raio de abril e do trovão duradouro, o Brasil já ia muito mal. O passado recente, nesse caso, é relevante para uma avaliação realista. O PIB cresceu apenas 1,1% em 2019, primeiro ano da gestão bolsonariana, e encolheu notáveis 2,5% no primeiro trimestre de 2020. Agora se desmente de modo mais amplo e mais claro o mito de um começo de ano promissor.
Gente da equipe econômica e até economistas do setor financeiro vinham sustentando essa história, como se o País, antes da pandemia, estivesse esquentando os motores para avançar. Quem acompanhava os números da indústria jamais engoliu essa narrativa e os fatos, agora, devem estar mais visíveis para todos.
Mesmo com 1,5% – em vez de 2,5% – de perda nos primeiros três meses, o Brasil estaria arriscado, sem o coronavírus, a uma nova recessão. Dois trimestres consecutivos de redução do PIB são necessários para definir, tecnicamente, o quadro recessivo. Com a queda de 9,7% no período de abril a junho, o cenário se completa. Antes de ser confirmada pelo IBGE, a recessão havia sido vivida pelos brasileiros e indicada por dados setoriais. O retorno em V à fase pré-covid seria ou será, portanto, uma volta à precariedade. Nenhuma retórica oficial anula esse fato.
O presidente e seu ministro da Economia podem apontar países, alguns muito ricos, com desempenho tão ruim quanto o do Brasil, e até pior, no segundo trimestre. O PIB das sete maiores economias capitalistas diminuiu 10,8% nesse período. Alguns países desse grupo tiveram desempenho bem pior que essa média. No Reino Unido o tombo foi de 20,4%. Na França, de 13,8%. Na Itália, de 12,4%. Nos Estados Unidos a perda de 9,5% foi parecida com a do Brasil. Mas essas comparações pouco informam sobre as perspectivas.
O Brasil fechará o ano com resultado negativo, talvez pouco melhor que -5% segundo as projeções mais otimistas. Para 2021 o governo estima um avanço de 3,2%. Será um crescimento insuficiente para levar a economia de volta ao nível de 2019, já muito baixo. Além disso, o potencial produtivo limitará severamente o desempenho nos anos seguintes, se o investimento continuar baixo.
No segundo trimestre, o País investiu em máquinas, equipamentos e obras apenas 15% do PIB. Isso é compreensível na crise, mas um ano antes a proporção havia sido de apenas 15,3%. Em todos os segundos trimestres desde 2013 (19,9%), a taxa foi inferior a 20%. Sem dinheiro para investir, o governo só poderá dinamizar a formação de capital fixo com privatizações, atração de capital para obras e animação do setor privado.
Confiança será fundamental. O presidente e seus auxiliares terão de se mostrar comprometidos com a pauta de ajustes e reformas e com a modernização do País. Terão de escolher entre um complexo esforço de renovação e a estratégia presidencial seguida até agora, a do populismo eleitoreiro.
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