quarta-feira, 2 de setembro de 2020

Orçamento retrata péssima situação das contas fiscais – Editorial | Valor Econômico

A pandemia exacerbou deficiências existentes, e tornou ainda piores as perspectivas fiscais para os próximos anos

A apresentação quase simultânea dos resultados das contas públicas e da proposta orçamentária de 2021 ao Congresso, ontem, mostra o show de horrores em que se transformaram as contas públicas. A pandemia exacerbou deficiências existentes, e tornou ainda piores as perspectivas fiscais para os próximos anos. O Brasil facilmente colecionará mais de 10 anos de déficits primários, em sequência que não é cadente. Os gastos com investimento e custeio cairão ao menor nível da história em 2021 (Valor, ontem). Para respeitar a regra de ouro, que impede endividamento para cobrir gastos correntes, o governo pede autorização de montantes cada vez maiores ao Congresso - em 2021, serão R$ 453,7 bilhões.

Os déficits nominais (incluem juros) do governo central não recuaram expressivamente desde o pesadelo fiscal criado pelo governo de Dilma Rousseff. Em 2016, eles atingiram 7,6% do PIB e a projeção do orçamento para 2023 o calcula em 6,6%, com um declínio de apenas um ponto percentual após 8 anos, mesmo com taxa de juro dois terços menor. As despesas do governo central, maior parte delas com a proibição de aumento real, foram de 19,9% do PIB em 2016, o mesmo nível que deverá atingir a de 2021 (19,8%).

O teto de gastos, cuja sobrevida tende a não ser longa, nada pode fazer para deter as despesas obrigatórias, que crescem acima da inflação. A principal delas, a previdência social, consumirá no ano que vem R$ 704,4 bilhões, legando um déficit de R$ 286,9 bilhões. A segunda, a de pessoal e encargos sociais, exigirá desembolsos de R$ 337,3 bilhões, com expansão de 4,3% ante 2020. Ambas compõem 69% das despesas obrigatórias, que são mais amplas e que levam consigo mais de 93% do orçamento.

Assim, mais de dois terços do orçamento são gastos com o funcionalismo público e com o pagamento de aposentadorias. Com mais R$ 101,9 bilhões de assistência social, rubrica na qual se abriga o Bolsa Família - com dotação de R$ 34,9 bilhões para atender 15,2 milhões de famílias -, emendas impositivas do Congresso e subsídios, resta quase nada para as demais despesas do governo, as chamadas discricionárias. Neste quase nada, e sempre minguando, estão os investimentos que, com boa vontade, chegarão a R$ 28 bilhões, acotovelando-se com os demais gastos de custeio da máquina da União, em um total de R$ 96 bilhões, o menor valor da série histórica.

Estes números servem para derrubar expectativas e devaneios. Um deles é o malabarismo de Paulo Guedes para aumentar a dotação do substituto do Bolsa Família, em detrimento de vários outros programas sociais, como o abono salarial. O presidente fulminou a pretensão do ministro, e com isso qualquer possibilidade de ampliar a rede de assistência social sem abrir espaços na rigidez do orçamento. Os números também não sancionam os que criticam a austeridade - há endividamento crescente - e acreditam que é possivel fazer um programa robusto de investimentos ampliando dívidas, bandeira que hoje une militares bolsonaristas e a esquerda, heterodoxa ou não.

A dívida bruta do governo geral foi de 86,5% do PIB nos doze meses terminados em julho - a líquida foi de 60,2% do PIB. Esses resultados ocorrem apesar da pressão muito menor da conta de juros, incluídas no déficit nominal, que subiu para 12,2% do PIB em 12 meses. A conta de juros neste período foi de R$ 338,1 bilhões, que se iguala, fato raro na história recente, ao gasto com pessoal e encargos da União.

As incertezas sobre a economia pós-pandemia levaram a uma queda de protocolo orçamentário. O governo tem uma projeção de déficit primário, mas não uma meta de déficit. Ele será o que as receitas determinarem que sejam, já que as despesas sob o teto estão fixadas. Com isso, não haverá contingenciamento de despesas e será brutalmente reduzida a reserva de contingência (R$ 75,5 bilhões em 2020, R$ 11,1 bilhões agora).

A alocação de recursos entre os ministérios aumenta orçamentos da Defesa (+ 1,3%) e Educação (+ 1,7%). Infraestrutura e Desenvolvimento Regional, encabeçados pelos promotores do Pró-Brasil, terão dotação 27,2% e 27,4% inferiores, respectivamente. Meio Ambiente (-4,6%) e Ciência e Tecnologia, -8,7%) continuaram perdendo recursos. É um orçamento defensivo e ajustado à penúria fiscal de hoje e de amanhã, no terceiro ano de governo de. Bolsonaro - que o encerrará com déficits, como começou.

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