Uma
parábola: naquela noite, sem pandemia, João Carlos, o Bulha, saudoso amigo,
acompanhou com o olhar a entrada acintosa de jovens penetras em sua festa de
aniversário, no Lago Sul. Com a voz abafada pelo som, batizou-os, às
gargalhadas. Os Dezoito do Forte. E abordou o último deles, com a piada pronta.
“Isto aqui está uma droga, sabe quem é o dono da casa e onde fica a bebida?”
“Não”, respondeu-lhe o invasor, “mas vou saber e te aviso”. E misturou-se,
tranquilamente, aos convidados.
Um
governo: Jair Bolsonaro é
espectador do que se passa em seu governo. Assiste a um espetáculo de palco e
picadeiro sem sinais de compromisso. Os ministros se movimentam. Ele aplaude ou
critica, desqualifica ou aprova, fecha a cara para um, abre a cara para outro.
Aproxima-se de quem julga capaz de modular, afasta-se de quem manifesta opinião
própria.
Nada
de homogeneidade. Nem de fundamentos teóricos. O governo é uma obra aberta,
experimental. O presidente gosta ou não gosta. Para formar opinião, inspira-se
nas redes, onde é manobrado por 50 minorias. Daí as incoerências.
Na cena de segunda-feira, viu-se uma performance clássica. A do fiasco técnico sobre como financiar um programa eleitoral de renda mínima com pedalada precatória. Bem como, no mesmo cenário, o adiamento da reforma tributária, que embutia, para ver se colava, aumento de imposto. A ameaça de calote ficou na conta do ministro da Economia; o ônus da reforma, transferido ao Congresso, a quem cabe agora, por decisão do espectador, assumir autoria das maldades fiscais. Bolsonaro, isento de tudo, celebra a popularidade crescente.
Os atores ideológicos continuam seu show. Cenas de quinta categoria. O presidente puxa aplausos aos novos e antigos canastrões. Abraham Weintraub pode exibir contracheques em dólar do Banco Mundial, de onde envia vulgaridades às redes, enquanto o irmão, Arthur, pode acenar aos invejosos com os dois cargos que ganhou da OEA em menos de um mês.
Ficaram
para trás o MEC, o quarto ministro e o enredo que
salta do drama à tragédia. Descompostura política e impostura administrativa.
Na
Saúde, faz-se uma releitura surpreendente da realidade. Com todos os equívocos
já produzidos na pandemia, o leigo critica os profissionais ao revelar que a
recomendação “fique em casa” não era apelo ao isolamento social, como parecia
óbvio. Firmou o absurdo, no discurso de posse, que se tratava de campanha dos
seus antecessores para o doente não procurar tratamento. O que, só agora, ele e
o novo protocolo aconselham. A todos, a sua dose de cloroquina. Tudo o que o
presidente quer.
A
Cultura abandonou a cortina nazista do holocausto e o conformismo com a
ditadura militar para desembocar num acampamento de extraterrestres aduladores.
O presidente, homenageado, não se avexa.
Na
penúltima de suas expedições contra a natureza, em que condena à destruição
restingas e manguezais, o ministro do Meio Ambiente seguiu seu conhecido
destino: um passo em falso após o outro. E, nas Relações Exteriores,
prossegue-se na predação da arte do Barão do Rio Branco. Com direito a afagos
presidenciais.
O
espetáculo não flui, também, fora do eixo ideológico. O conflito do INSS com
os peritos expõe a degradante situação dos trabalhadores. Minas e Energia
sumiu. Infraestrutura está sem meios. E até o agronegócio, produtivo e eficaz,
sofre os efeitos da insanidade diplomática. Nem com a reforma da Previdência,
conquista única, o presidente espectador se engajou.
O problema é que não se trata de faz de conta, mas de um país e seus 210 milhões de habitantes. Com efeitos especiais e clima de apoteose, Bolsonaro, indiferente aos resultados, pensa apenas na sua razão de governar o primeiro mandato: a reeleição, para ser espectador do segundo.
Nenhum comentário:
Postar um comentário