A
crise econômica provocada pela pandemia fez o Produto Interno Bruto (PIB) do
país encolher 11,9% no primeiro semestre, desempenho equivalente ao dos países
menos impactados pelo novo coronavírus. O mergulho poderia ter sido muito mais
profundo se o governo e o Congresso Nacional não tivessem concordado em
aprovar, rapidamente, o pagamento do auxílio emergencial de R$ 600, entre abril
e agosto, a milhões de brasileiros em situação de vulnerabilidade e a concessão
de estímulos fiscais a empresas.
Sabe-se
que milhões de brasileiros e milhares de micro e pequenas empresas,
principalmente no setor de serviços, não viram a cor do dinheiro oficial. Ainda
assim, o desembolso feito pelo governo federal foi significativo. A economista
Ana Paula Vescovi, ex-secretária do Tesouro Nacional e atualmente chefe da
equipe macroeconômica do banco Santander, calcula que os estímulos injetaram
cerca de 9% do PIB na economia.
“A principal medida de apoio às famílias, o
auxílio emergencial, chegou a 67 milhões de beneficiários, ou 64% da população
economicamente ativa, com valor médio de R$ 845 por beneficiário entre abril e
agosto”, diz Ana Paula em relatório enviado a clientes.
Nos
dois primeiros meses da pandemia, as projeções de bancos e gestoras de recursos
previam queda de até 9% do PIB neste ano. Agora, é difícil encontrar alguém
ainda prevendo essa queda. No boletim Focus, do Banco Central, a mediana das
expectativas do mercado para o PIB em 2020 está em 5,04%, sendo que, há quatro
semanas, estava em 5,28%.
Ana
Paula Vescovi e sua equipe no Santander revisaram sua projeção de PIB para este
ano de -6,4% para -4,8%. Para uma economia que amargou recessão longa e
profunda entre 2014 e 2016 e, na sequência, cresceu pouco mais de 1% entre 2017
e 2019, o cenário atual continua trágico, mas melhor do que se esperava há dois
meses.
Além
dos estímulos oficiais, outros fatores ajudaram a diminuir o tombo da economia
brasileira. “O primeiro fator surpresa foi o setor externo. As exportações se
sustentaram de certa forma, ajudadas pela safra recorde, e com demanda firme e
preços elevados de produtos agropecuários. Os preços de internacionais do
petróleo, inicialmente atingidos pela guerra de preços entre Rússia e Arábia
Saudita, voltaram a se recuperar”, observa o relatório do Santander.
O
índice CRB, que reflete os preços de commodities agrícolas, minerais e
metálicas, teve desempenho acima do esperado entre agosto e setembro, tendo já
retornado ao patamar anterior ao da pandemia. Foi crucial, nesse aspecto, o
fato de a China, primeiro epicentro da crise sanitária, ter controlado o avanço
do novo coronavírus mais cedo, permitindo a reabertura mais rápida de sua
economia, a segunda maior do planeta.
“Com
estágio anterior em termos de contágio, China, Europa e Estados Unidos vêm
demonstrando recuperação mais acentuada que o inicialmente previsto. O Brasil
segue na mesma direção”, compara o relatório da equipe chefiada por Ana Paula
Vescovi.
“Em
função de uma expectativa de queda um pouco menos acentuada na demanda
doméstica este ano (-5,4%, contra -7,6% anteriormente), revisamos nossa
projeção de superávit em transações correntes de 0,1% do PIB para um déficit de
0,6% do PIB em 2020, ainda próximo ao equilíbrio, e convergindo para um déficit
de 1,6% do PIB em 2022, patamar menor relativamente ao do pré-crise”, prevê o
relatório do Santander.
Com
a reação surpreendente dos setores “tradable” (de bens comercializáveis) e com
a extensão do auxílio emergencial com valor reduzido à metade (R$ 300) até
dezembro, Ana Paula projeta recuperação mais gradual a partir de 2021, com o
nível de atividade voltando ao período anterior ao início dos casos de covid-19
não antes do segundo trimestre de 2022.
“O
consumo vem impulsionando a recuperação da atividade, com o avanço dos canais
de vendas digitais e com o aumento de renda (as transferências) nos grupos com
maior propensão ao consumo de bens. As vendas do varejo (no conceito ampliado,
que inclui automóveis) praticamente já voltaram ao patamar pré-crise”, informa
o relatório do Santander. “A recuperação do setor de serviços tende a ocorrer
mais gradualmente, na esteira da reabertura da economia e da volta dos serviços
prestados às famílias, especialmente de educação, saúde, turismo, lazer, entre
outras.”
E
o que acontece de agora em diante? O corte à metade do valor do auxílio
emergencial a ser pago entre este mês e dezembro reduzirá substancialmente o
dinheiro que a classe menos favorecida de brasileiros vinha jogando na
economia. As transferências implicam expansão da massa ampliada de salários,
calcula a equipe de economistas do Santander, em 3,9% neste ano, face a 6,0% de
queda se o auxílio não tivesse sido concedido.
Ainda
assim, o desemprego alcançará 17 milhões de pessoas no seu pico, em maio de
2021, devendo cair gradualmente para 16 milhões no fim de 2022. Taxa de
desemprego registra o número de pessoas à procura de ocupação. Durante a
pandemia, por motivos óbvios, trabalhadores desempregados não tinham como
buscar vagas.
“A
taxa de desemprego sustentar-se-á no patamar acima de 15% até o fim de 2022,
por causa da volta gradual de um contingente de trabalhadores procurando
emprego após a pandemia”, explica o relatório do Santander. É evidente que vem
daí a preocupação do presidente Jair Bolsonaro, da área política de seu governo
e de seus aliados no Congresso. A turma já está preocupada com 2022 e, por
isso, cometeu o desatino de propor financiar o Renda Cidadã com dinheiro
(precatório) que não pertence à Viúva, mas a contribuintes - uma pedalada de
fazer corar de inveja o ex-secretário Arno Augustin...
Bolsonaro assumiu o poder em com planos para desidratar o Bolsa Família, programa de transferência de renda bem-sucedido, dotado de aspectos incomuns a esse tipo de iniciativa e desenvolvido genuinamente no Brasil, resultado da colaboração inédita dos entes da Federação - União, Estados e municípios - e de diversos órgãos públicos e copiado em mais de 60 países. Um programa barato - R$ 32 bilhões (menos de 0,5% do PIB) por ano - que vai além da renda básica.
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