Com
a necessidade de contar com uma rede de proteção e apoio no Congresso para a
travessia no próximo ano, a tendência é que a parceria com as siglas
tradicionais avance
Gustavo
Maia / O Globo
BRASÍLIA
— O Jair Bolsonaro de janeiro, quando iniciava o seu segundo ano de governo, é
bem diferente do de dezembro, prestes a completar a metade do mandato. A
bandeira da antipolítica presente desde a campanha eleitoral de 2018 deu lugar
a uma aliança pragmática com o centrão, bloco chamado de fisiológico pelo
presidente e seus aliados antes do acordo com os partidos. Com a necessidade de
contar com uma rede de proteção e apoio no Congresso para a travessia de 2021,
a tendência é que a parceria com as siglas tradicionais avance ainda mais ao
longo do próximo ano.
Nos
últimos meses, Bolsonaro cedeu cargos cobiçados a partidos aliados, como o
comando de órgãos com orçamento bilionário, a exemplo do Departamento Nacional
de Obras Contra as Secas (Dnocs), do Fundo Nacional de Desenvolvimento da
Educação (FNDE) e da Fundação Nacional de Saúde (Funasa). Pelo menos 17 postos
relevantes do segundo escalão foram ocupados em áreas responsáveis por comandar
orçamentos de cerca de R$ 70 bilhões. Em 2021, o Planalto estuda entregar o
Ministério da Cidadania, hoje chefiado por Onyx Lorenzoni (DEM-RS), que tem na
mão programas sociais como o Bolsa Família, essencial para a popularidade
presidencial nas eleições de 2022.
Minirreforma
ministerial
A estratégia teve retorno no Legislativo. Na Câmara dos Deputados, os partidos aliados ao candidato do centrão, Arthur Lira (PP-AL), apoiado por Bolsonaro, estão entre aqueles com maior adesão ao governo nas votações. Juntos, PP, PL, PSC, Republicanos, PSD, PROS, Solidariedade, Avante e Patriota votaram alinhados ao Planalto, em média, em 90% dos casos, nos dois primeiros anos da gestão bolsonarista. Além disso, pautas como pedidos de impeachment do presidente e apurações envolvendo o senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ) no Conselho de Ética do Senado ficaram travadas.
A expectativa no governo é que uma minirreforma ministerial no começo do ano reflita ainda mais o “novo Bolsonaro”. Nos bastidores, fala-se na possibilidade de dar ministérios ao deputado federal Marcos Pereira, expoente do Republicanos, e ao atual presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), como agradecimento pelos serviços prestados no Congresso. A iminente saída do aliado Jorge Oliveira da Secretaria-Geral da Presidência para ocupar uma cadeira no Tribunal de Contas da União (TCU) deve abrir uma vaga no coração do Planalto para servir de moeda de troca no jogo político.
Nos
últimas semanas, Bolsonaro fez indicações políticas — as mesmas que antes
condenava — até para agências federais. O ex-deputado estadual Arnaldo Silva
Júnior, que trabalha como secretário parlamentar do senador Rodrigo Pacheco
(DEM-MG), foi indicado para a Agência Nacional de Transportes Terrestres
(ANTT). Já o advogado Paulo Roberto Vanderlei Rebello Filho, ligado ao PP,
partido do centrão, foi escolhido para assumir a presidência da Agência
Nacional de Saúde Suplementar (ANS). Diretor do órgão desde 2018, ele antes foi
chefe de gabinete do então ministro da Saúde Ricardo Barros (PP-PR), atual
líder do governo na Câmara.
Para
o professor André Borges de Carvalho, do Instituto de Ciência Política da
Universidade de Brasília (UnB), o movimento demonstra que Bolsonaro percebeu
que não tem como sobreviver politicamente se não tiver apoio no Congresso e
mira a reeleição.
—
Ele se elegeu com esse discurso da antipolítica, dizendo que não faria
barganha, mas foi vencido pelos fatos. E me parece que agora, com a eleição da
Câmara, o governo chegou num momento decisivo, porque se o candidato do governo
perder, ele fica numa posição complicada, já que o presidente da Câmara
controla a pauta. E os dois próximos anos são cruciais, vão determinar o que
será a eleição de 2022 — avalia Carvalho. — Então, uma negociação para aumentar
o espaço dos partidos da base seria uma forma de solidificar essa base para o
governo conseguir sobreviver, evitar impeachment, CPIs, esse tipo de coisa.
A
necessidade de alinhamento com a política tradicional se deu após um primeiro
semestre de embates. Na primeira metade do anos, o presidente elevou o tom contra
o Supremo Tribunal Federal e o Legislativo, argumentando que eles atrapalhavam
o andamento das suas agendas. Ainda apostando na beligerância, participou de
atos antidemocráticos e duelou com o presidente da Câmara, Rodrigo Maia
(DEM-RJ).
O
ápice do péssimo relacionamento foi quando Bolsonaro aventou a iminência de uma
“crise institucional”, em abril. Ele se referia à decisão do ministro Alexandre
de Moraes, do STF, de suspender a nomeação de Alexandre Ramagem para comandar a
Polícia Federal. Disse que não “engoliu” a “canetada” do magistrado. Na época,
o ex-ministro da Justiça Sergio Moro havia pedido demissão acusando o
presidente de interferência na PF.
Um
ponto de inflexão notório ocorreu, quando Bolsonaro criou o Ministério das
Comunicações e escolheu o deputado federal Fábio Faria (PSD-RN) para
comandá-lo. Desde então, o presidente deixou de falar com jornalistas no
“cercadinho” do Alvorada. O diagnóstico foi de que suas declarações provocavam
focos de incêndio desnecessários.
Aceno
ao judiciário
Em
junho, o presidente foi surpreendido pela prisão de Fabrício Queiroz, amigo e
ex-assessor do seu filho Flávio. E então deu-se a conversão de vez do “novo
Bolsonaro”. A primeira decisão pensada sob medida para agradar o Judiciário foi
no dia seguinte. Demitiu o ministro da Educação, Abraham Weintraub, que em uma
reunião ministerial gravada externou a vontade de botar “esses vagabundos todos
na cadeia, começando no STF”. Sinalizou então um afastamento da ala mais
radical.
Até
na relação com o STF Bolsonaro agradou o centrão, ao indicar, em outubro, o
desembargador Kassio Nunes Marques, indispondo-se com bolsonaristas que
esperavam um nome evangélico.
Expoente
da ala ideológica, o assessor para assuntos internacionais da Presidência,
Filipe Martins, apontou o afastamento do presidente de suas origens em rede
social: “Com o enfraquecimento desse discurso (político-ideológico), o governo
se vê obrigado a aceitar apenas propostas e políticas consideradas aceitáveis
pelo establishment. Quando não aceita, acaba sendo rotulado de tudo, até de
genocida, e o custo político de defendê-lo vai se elevando”.
A
metamorfose foi reconhecida pelo próprio presidente, em transmissão ao vivo no
último dia 10. Respondendo ao “pessoal (que) fala em centrão”, ele lembrou que
já integrou PP, PTB, PFL (hoje DEM) e PSC. “Esse negócio de ficar aí cada vez
mais satanizando partidos não existe”.
O presidente ainda rebateu críticas pela nova forma com que lida com congressistas e disse que tem que conversar com o Parlamento, com o qual nunca esteve tão bem. Ele também reclamou que, quando não conversava, era acusado de ser truculento; e agora que conversa é criticado pela imprensa.
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