Na
contramão de outros países, presidente voltou a insistir em cláusula de
responsabilidade sobre eventuais efeitos colaterais
Gustavo
Maia / O Globo
BRASÍLIA
— Em mais uma manifestação que põe em xeque a vacinação contra a Covid-19, o
presidente Jair Bolsonaro disse neste sábado que não se sente pressionado e
"não dá bola" para o fato de outros países já terem começado a
imunizar suas populações.
A
declaração ocorreu depois de ele lembrar que já assinou uma medida provisória
liberando R$ 20 bilhões para a compra de vacinas e alfinetar governadores, sem
citar nenhum deles nominalmente, que cobram celeridade na aprovação dos imunizantes.
—
Entre eu e a vacina tem uma tal de Anvisa [Agência Nacional de Vigilância
Sanitária], que eu respeito, e alguns não querem respeitar, é só isso —
declarou Bolsonaro, durante passeio por Brasília nesta manhã.
O
presidente reforçou o argumento que vem utilizando de que nem as próprias
fabricantes dos imunizantes não se responsabilizam por eventuais
efeitos colaterais dos produtos. O país já soma mais de 190,5 mil
mortes pela Covid-19 e diversos estados registram alta de casos.
— Ninguém me pressiona pra nada, eu não dou bola pra isso. É razão, razoabilidade, é responsabilidade com o povo, você não pode aplicar qualquer coisa no povo — comentou.
Bolsonaro
repetiu na sequência que tudo o que viu "até agora em vacina que poderão
ser disponíveis tem uma cláusula que eles não se responsabilizam por qualquer
efeito colateral".
Ao
ser indagado se estava se referindo ao caso da vacina da Pfizer/BioNTech, como
já havia externado nos últimos dias, o presidente respondeu que falava sobre
"todas elas".
—
Pelo que eu vi até agora, todas elas.
O
Brasil não aprovou nenhuma vacina até o momento. Nenhuma fabricante solicitou
pedido de registro emergencial ou definitivo à Anvisa. No mundo, países como
Reino Unido, Estados Unidos, México, Costa Rica e Chile foram mais ágeis nas
negociações e parcerias e já deram início à vacinação contra a Covid-19.
Segundo
o site Our World in Data, que acompanha a imunização contra a Covid-19 a nível
global através de diferentes fontes oficiais, mais de 3,8 milhões de pessoas já
foram vacinadas com diferentes fórmulas contra o Sars-CoV-2 no mundo. À exceção
de casos
isolados, não há até o momento registro de efeitos adversos em
escala expressiva.
A
segurança das vacinas é atestada na terceira e última fase dos ensaios clínicos
e os resultados são analisados pelas reguladoras de saúde, mesmo nos casos em
que a aprovação é concedida no modelo emergencial.
Histórico
de declarações
Não
é a primeira vez que Bolsonaro levanta suspeitas sobre eventuais efeitos
colaterais de imunizantes contra o novo coronavírus por meio de declarações
imprecisas ou equivocadas. Na última quarta-feira, o presidente afirmou que a
melhor vacina contra a Covid-19 é "contrair o próprio vírus", o que
não é correto, dado que grupos de risco têm altas chances de evoluir para o
quadro grave da doença e que a resposta imunológica desenvolvida pelo contágio
natural não previne
reinfecções.
Na
primeira quinzena de dezembro, Bolsonaro, que se opõe à
vacinação obrigatória, defendeu publicamente a necessidade
de um termo de responsabilidade assinado pelos brasileiros
imunizados com fórmulas aprovadas emergencialmente. A proposta também foi
defendida pelo ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, e duramente
criticada por especialistas, que veem uma tentativa de isentar o
Estado de suas responsabilidades.
—
Tem outra medida provisória talvez amanhã. Não é obrigatório, vocês vão ter que
assinar termo de responsabilidade para tomar. Porque a Pfizer, por exemplo, é
bem clara no contrato: “nós não nos responsabilizamos por efeitos colaterais” —
declarou o presidente no último dia 14.
No
dia seguinte, o presidente disse que "não tomará a vacina e ponto
final", e que sua decisão seria um problema de ordem pessoal, apesar do
caráter infeccioso do novo coronavírus e da possibilidade de transmissão
assintomática.
Mais
recentemente, Bolsonaro foi ainda
mais específico quanto às suas reservas com o uso emergencial
de vacinas, embora não tenha apresentado argumentos cientificamente embasados.
—
Se você virar um chi... virar um jacaré, é problema de você, pô. Não vou falar
outro bicho, porque vão pensar que eu vou falar besteira aqui, né? Se você
virar super homem, se nascer barba em alguma mulher aí ou algum homem começar a
falar fino, eles não têm nada a ver com isso. Ou, o que é pior, mexer no
sistema imunológico das pessoas — disse o presidente no dia 17.
(Colaborou Johanns Eller)
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