Pode ser
que a estratégia de reaproximação do governo brasileiro com a Casa Branca se dê
pelo baixo instinto, ou seja, pela via do alinhamento contra a China
Citando
o Hino dos Estados Unidos — “a terra dos livres e o lar dos corajosos” —, o
presidente Jair Bolsonaro reconheceu, ontem, a eleição do presidente Joe Biden,
um dia após o democrata ter sido referendado pelo colégio de delegados que
consagra o resultado das urnas. Foi o penúltimo chefe de Estado a fazê-lo;
falta, ainda, o norte-coreano Kim Jong-Un. Vladimir Putin, da Rússia, e López
Obrador, do México, também enviaram suas mensagens. Como a aposta de Bolsonaro
era a reeleição de Donald Trump, que defendeu abertamente, inclusive,
endossando suas acusações de que a apuração das urnas estaria sendo fraudada,
não será fácil a reconstituição das relações com a Casa Branca. Como se diz na
política, só quem chega primeiro bebe água limpa…
Isso
significa que Bolsonaro dará um cavalo de pau na política externa brasileira? A
torcida para que isso aconteça é muito grande, mas não há sinais de que isso
venha a ocorrer no curto prazo, a não ser que Ernesto Araújo seja demitido.
Pode ser que a estratégia de reaproximação do governo brasileiro com a Casa
Branca se dê pelo baixo instinto, ou seja, pela via do alinhamento contra a
China. Não é à toa que Xi Jinping não enviou, ainda, sua mensagem pessoal de
congratulações a Joe Biden, embora a chancelaria chinesa já tenha reconhecido
sua eleição. Ainda não está claro qual será a nova política norte-americana em
relação à China, por causa da disputa comercial entre os dois países,
principalmente na área de tecnologia.
Um
dos grandes equívocos da política externa de Trump foi retirar os Estados
Unidos da Aliança do Pacífico, um êxito diplomático do seu antecessor, Barack
Obama. Isso abriu espaço para que a China entrasse no acordo comercial dos
países asiáticos. Negociado desde 2012, com o nome de Parceria Comercial
Regional Abrangente (RCEP), na sigla em inglês, reúne 15 países, sem os Estados
Unidos, somando 2,1 bilhões de consumidores e 30% do PIB mundial. China, Japão,
Coreia do Sul, Austrália e Nova Zelândia assinaram o pacto, com os 10 países da
Associação de Nações do Sudeste Asiático: Indonésia, Tailândia, Singapura,
Malásia, Filipinas, Vietnã, Myanmar, Camboja, Laos e Brunei. Somente a Índia
ficou fora, temendo a concorrência chinesa, mas ainda pode entrar no acordo.
A
Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) deve realizar o leilão das faixas
de 5G no primeiro semestre de 2021. Por elas vão passar os dados que chegam aos
nossos smartphones, numa velocidade que permitirá implantar a chamada “internet
das coisas”. Em outubro passado, os Estados Unidos pressionaram o governo
brasileiro para que banissem da disputa a gigante chinesa Huawei, que já tem
forte presença no Brasil, como fornecedora de equipamentos e serviços. Ofereceu
em troca US$ 1 bilhão em financiamentos de projetos nas áreas de energia,
infraestrutura e telecomunicações. Na ocasião, o conselheiro de segurança dos
Estados Unidos, Robert O’Brien, disse que a empresa chinesa poderia ter acesso
a informações sigilosas do governo e de empresas.
Esse posicionamento vai na contramão da orientação da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), que recomendou ao Brasil não restringir a competição entre os fornecedores de tecnologia 5G. Mesmo assim, o governo brasileiro resolveu apoiar a Clean Network (Rede Limpa), iniciativa de Trump para limitar o avanço chinês nas redes de 5G. Comentário do deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) sobre o tema, no Twitter, acusando os chineses de usarem a Huawei para espionagem, provocou dura reação da Embaixada da China no Brasil, também na rede social, e igual resposta do Itamaraty. Diplomatas experientes alertam para os sinais de que a China já está se reposicionando para reduzir a sua dependência alimentar em relação ao Brasil, ou seja, da importação de soja e de carnes brasileiras.
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