Bolsonaristas
pressionam para que governadores e prefeitos sejam investigados por comissão
Por
Renan Truffi, Isadora Peron, Luísa Martins e Marcelo Ribeiro / Valor
Econômico
BRASÍLIA - Pressionado pelo governo Jair Bolsonaro e por parlamentares da base aliada, o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), deve decidir hoje o caminho da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da pandemia. O embate principal é se o colegiado irá restringir suas investigações à União, como sugeria o requerimento inicial apresentado pelo senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP), que será lido hoje em plenário,, ou se ampliará seu escopo para Estados e municípios, como desejam os bolsonaristas. O obstáculo, no entanto, é o regimento interno da Casa, que não dá amparo legal para essa possibilidade.
O
assunto será discutido entre Pacheco e técnicos da Secretária-Geral da Mesa
(SGM) do Senado hoje.. Na avaliação de interlocutores próximos ao presidente da
Casa, o impedimento para um CPI mais ampla está explícito no artigo 146 do
regimento da Casa.
O
texto em questão diz que “não se admitirá Comissão Parlamentar de Inquérito
sobre matérias pertinentes: à Câmara dos Deputados; às atribuições do Poder
Judiciário; aos Estados”.
Isso deve embasar uma resposta negativa de Pacheco diante de novos requerimentos de CPIs. Um desses casos é a solicitação a ser feita pelo senador Eduardo Girão (Podemos-CE). Ele conseguiu ontem as assinaturas necessárias para uma outra comissão de inquérito, que investigaria também os governadores e prefeitos. “Reunimos o número de assinaturas suficientes para protocolar uma CPI abrangendo União, Estados e municípios. Espero que a verdade venha à tona, quem tá devendo vai ter que se justificar e quem errou vai ter que ser punido”, escreveu o parlamentar em sua página oficial.
Ainda
que Pacheco opte por restringir a CPI ao governo federal, há uma dúvida, porém,
se o regimento veda a investigação de verbas federais que foram direcionadas
para as unidades da federação. “Pelo teor literal, o regimento não impede investigação
das verbas federais que foram direcionadas aos Estados. Como é uma verba
federal, é responsabilidade das instituições federais zelar pela lisura desse
numerário”, argumenta Walber Agra, professor de Direito Constitucional da UFPE
e membro da Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político (Abradep).
Essas
discussões acontecem às vésperas do julgamento sobre o assunto no STF, que vai
analisar a decisão monocrática do ministro Luís Roberto Barroso no plenário.
Ontem, Barroso sinalizou a interlocutores que não pretende, em seu voto, dar
carta-branca para que o Senado enterre a CPI da Pandemia.
O
ministro pretende deixar claro que os parlamentares têm autonomia para instalar
o colegiado conforme os critérios que estabelecerem, mas isso não significa da
aval para que a CPI no Senado só seja instalada após o fim da pandemia.
Há,
no entanto, uma corrente, liderada pelo ministro Gilmar Mendes, que acredita
ser possível deixar a instalação da CPI para quando a pandemia arrefecer, caso
os senadores entendam que não há como viabilizar os trabalhos da comissão por videoconferência.
Não se descarta, na Corte, que o tema volte a ser judicializado no futuro, caso
manobras para não dar seguimento às investigações sejam colocadas em prática
pela base do governo.
Apesar
de toda essa costura, a oposição na Câmara dos Deputados ainda discute criar
CPIs paralelas. Neste sentido, partidos independentes e de esquerda se reunirão
hoje para afinar a melhor estratégia para ampliar a pressão contra Bolsonaro e
os demais integrantes do governo federal. A primeira opção seria apostar as
fichas na criação de uma CPI Mista, ou seja, integrada por deputados e
senadores.
A
avaliação é que o trabalho conjunto seria o melhor caminho para quebrar a
resistência do Centrão e da cúpula da Câmara e do Senado, já que as duas Casas
dividiriam tanto responsabilidades como alguns desgastes junto ao Palácio do
Planalto.
A
outra carta na mesa de negociações seria uma CPI exclusiva da Câmara,
especialmente por causa da operação de senadores governistas para ampliar o
escopo da CPI do Senado e colocar governadores e prefeitos “no campos dos
investigáveis”. Para eles, a estratégia de aliados de Bolsonaro é esvaziar as
apurações contra o presidente e a equipe ministerial. Em reunião com
parlamentares da esquerda, o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL),
reforçou ontem ser contrário à criação imediata de CPI da Casa e destacou não
ser o momento adequado para uma “caça às bruxas”.
Toda
essa disputa política culminou num revés para o senador Jorge Kajuru
(Cidadania-GO). O presidente nacional do Cidadania, Roberto Freire, anunciou
ontem que convidou o parlamentar a se desligar do partido e procurar outra
legenda para representá-lo. O motivo é o conteúdo das conversas entre ele e o
presidente Jair Bolsonaro, divulgado pelo próprio senador na noite de domingo. No
telefonema, Kajuru sinaliza, a pedido de Bolsonaro, intenção de ampliar o
escopo de investigação da CPI da Pandemia como forma de atingir governadores e
prefeitos. Para o Cidadania, o áudio é um “flagrante” crime de
responsabilidade.
O
senador goiano também foi alvo de uma representação por quebra de decoro no
Conselho de Ética apresentada pelo senador Flavio Bolsonaro (Republicanos -RJ).
Nas redes sociais, influenciadores digitais ligados ao bolsonaristas não
economizaram críticas e ofensas ao parlamentar.
Kajuru, entretanto, em entrevista ao jornalista José Luiz Datena, da TV Bandeirantes, afirmou que Bolsonaro sabia da gravação e da divulgação do áudio, desde às 12h40 de anteontem. Durante a entrevista, Kajuru divulgou trecho da conversa telefônica em que o presidente ofende Randolfe Rodrigues.
Nenhum comentário:
Postar um comentário