Assusta a
quantidade de crianças órfãs que a pandemia está gerando no mundo. A cada
13 mortes por coronavírus, uma perdeu um dos pais. Estudo publicado semana
passada na revista de saúde coletiva Jama Pediatrics estima que entre
37 mil a 43 mil crianças podem ter perdido ao menos um dos pais para
a Covid-19, somente nos Estados Unidos. Mas, o drama é planetário.
No Brasil,
pesquisa realizada com o aval da Associação de Medicina Intensiva Brasileira,
até fevereiro deste ano, a quantidade de crianças de 0 a 17 anos
que perdeu os pais aumentou de 17% a 20% em relação aos anos
anteriores, quando nem se pensava em pandemia.
A Covid trouxe a desaceleração dos sistemas produtivos, o crescimento assustador da fome no mundo que, antes do flagelo dessa peste já atingia quase um bilhão de pessoas, a morte em massa para os idosos, e o aumento vertiginoso do número de crianças e jovens órfãos no mundo. Imagine o que está acontecendo na África.
Faz lembrar o
destino dos filhos dos revolucionários argentinos cujos pais foram mortos na
ditadura. A saga das “crianças lobo” (wolfskinder) da Prússia Oriental, perto
de 25 mil sobreviventes errantes escondidos nas florestas
da Prússia Oriental e na Lituânia. Eram conhecidas como "vokietukai”
("alemãezinhos”). Ao passarem pelos vilarejos encontravam, em frente das
portas das casas, tigelas de sopas deixadas por alguns cidadãos, enquanto
outros traziam cachorros para espantá-los. São inúmeras e dramáticas
as histórias. Entre elas está a das duas meninas judias que perambularam
miseráveis, sozinhas, pela Europa, sem encontrar um lar.
Levadas para
abrigos na Lituânia e para os kolkhotz na Rússia, essas crianças eram
obrigadas a trabalhar para cobrir o que consumiam, sem receber educação
ou afeto. E aquelas que sequer nasceram: para salvar a vida de
mulheres grávidas em Auschwitz, onde eram submetidas a todos os tipos de
abusos, a ginecologista judia romena Gisella Perl induziu a centenas de aborto.
- Mas, Senhor!
Como pode permitir isso?!...
Há quem entre lá
no Instagram oferecendo esperança e solidariedade às crianças que
remanescem sozinhas na pandemia. “Queremos te ajudar a descobrir o que Deus tem
para você!” Fico com pé atrás. Êpa! Que é isso?! Mas
também não dá para esquecer aquelas histórias da Segunda Guerra, ou
as crianças que perambulam abandonadas nas ruas das grandes cidades
brasileiras. Religiosos têm ajudado a abriga-las. Deus estaria com
eles?!
Não sei se
acredita em Deus ou se confia é no Estado mas, em dúvida, o assustado senador
médico Rogério Carvalho (PT-SE) apresentou um projeto de lei ao
Congresso (PL 887/2021) destinado a assegurar uma pensão especifica para
crianças e adolescentes, cujos pais foram vítimas da covid-19. Os
programas sociais de governo não estão conseguindo conter essa miserabilidade
extensiva que mata as crianças deste país. Não se comenta, mas a orfandade é
crescente. O senador propõe que o Estado desembolse um salário
mínimo para cada órfão até que atinja a maioridade.
Sem crianças
sadias e educadas, o cenário futuro não é alentador. Não se trata apenas da
pandemia em si, mas das consequências sociais que está gerando. Em princípio,
as vítimas maiores são os idosos. Mas não é bem assim. As estatísticas mostram
que houve um aumento de 52% nas mortes por covid de pessoas com
idade até 40 anos (3 a 4 adolescentes entre elas). Pensando sociologicamente,
trata-se, no primeiro caso, de uma renovação pandêmica geracional e, no
segundo, de uma redução da resistência às transformações que se quer na História.
Cabe uma
reflexão: que mundo está sendo reservado para o homem pós-pandêmico? Não
adianta ficar insistindo em reajuste de salários e privilégios, na venda de
automóveis de luxo, colchão que só os europeus têm, viagens baratas para
paraísos já infectados e em políticos excessivamente contaminados pelas
ideologias ou, o oposto, pela alienação. A Terra precisa sobreviver. Não será
Marte que salvará essa geração. Os wolfskinder estão aí. O
projeto de lei vem em boa hora, mas essas crianças precisam, sobretudo, de
atenção e afeto humano.
*Aylê-Salassié F. Quintão (jornalista e professor) e Alexandre Q.F. Quintão (fisioterapeuta, pós-graduado em gerenciamento de projetos em saúde coletiva)
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