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O Globo
Nesses
depoimentos, o que mais se ouve são duas palavras: liderança e governança. O
comentário é de José Augusto Coelho Fernandes, pesquisador que conduz as trinta
entrevistas com formuladores e gestores de políticas públicas que compõem a
série de podcasts sobre a “arte da política econômica no Brasil”, a ser lançada
na próxima semana pelo IEPE/ Casa das Garças, um dos principais think tanks do
país.
Na série, temos depoimentos importantes que podem ser usados para comparação
com o que está sendo feito no atual momento. A negociação incessante com o
Congresso, no lançamento do Plano Real, e a atuação em equipe com autonomia na
crise energética de 2001, são exemplares.
Atores importantes da cena econômica nos anos recentes, Maílson da Nóbrega,
Edmar Bacha, Pérsio Arida e Gustavo Franco abrem o primeiro mês da série, com
relatos sobre os anos de aprendizado dos planos e reformas, com o fim da conta
movimento entre Banco do Brasil e Banco Central, a criação da Secretaria do
Tesouro, até desembocar no Plano Real, suas reformas econômicas e privatização,
regime de metas de inflação e câmbio flutuante.
No desenrolar da série, ouvem-se relatos sobre gestão de crises, desafios de
governança, construção e desenho de instituições. A série se encerra com
o depoimento do ex-ministro da Fazenda Pedro Malan. Inaugurando a série
específica sobre o Plano Real, o economista Edmar Bacha, presidente da Casa das
Garças e membro da Academia Brasileira de Letras destaca o papel do
Departamento de Economia da PUC RIO nas discussões sobre as causas da inflação
e as políticas para o seu controle, o aprendizado com as experiências
fracassadas de estabilização no Brasil e no mundo, como o Plano Cruzado.
O Plano Real foi produto de muitas discussões acadêmicas que desaguaram num
conjunto de etapas que se inicia pela consolidação fiscal e termina com o
lançamento da nova moeda, o Real. No caminho, um plano intensivo em negociações
com o Congresso, principalmente para a aprovação das medidas de transição para
a nova moeda e a criação do fundo social de emergência.
A tarefa ficou a cargo de Bacha, que era chamado de “senador” pelos
companheiros de equipe, a tal ponto chegou sua dedicação. Ele diz que o grande
trunfo negociador esteve na oferta de um produto de alta demanda da população -
a inflação baixa- e, na expectativa dos efeitos desse novo ambiente sobre o
crescimento do salário real e a popularidade dos políticos que o apoiavam.
Engenheiro eletrônico e ex-chefe da Casa Civil da Presidência da República,
Pedro Parente relata a sua experiência na administração pública brasileira,
especialmente na crise de energia em 2001, que ele admite ter acontecido
por desconhecimento do governo da complexidade do sistema hidroelétrico
brasileiro.
O conhecimento da real situação teve impacto sobre as expectativas, queda de
popularidade do governo e gerou forte preocupação na sociedade. A primeira
percepção é que a reação exigia uma coordenação geral, que ficou a cargo de
Parente, visto que não se tratava apenas de um contratempo no Ministério de
Minas e Energia, e sim de um fato com impacto geral na economia e sociedade.
A mesma percepção não teve o governo Bolsonaro, embora estivesse mais bem
informado sobre as consequências da pandemia da COVID-19. Nos debates, ficou
demonstrada a importância da autonomia, já que sem ela não se poderia resolver
o problema. Em segundo, era preciso ter poder, ou seja, as propostas seriam
terminativas, de modo que não sofressem o processo de análise comum no governo.
Por fim, propunha-se a criação de uma câmara de gestão da crise, a qual viria a
ser importante no processo de comunicação com a sociedade. A ideia era, sob a
gestão de Parente, reunir representantes dos órgãos federais que tivessem
relevância no assunto, como do Ministério da Fazenda e do Planejamento, da
ANEEL e da ONS. Convocou-se também o professor e consultor empresarial Vicente
Falconi, bem como Mauro Arce, secretário de energia de São Paulo. A decisão
inicial foi a de o governo assumir a responsabilidade da falha e, a partir
dessa medida, buscar, a todo custo, a transparência e disponibilidade diária
para responder às indagações da imprensa sobre a crise de energia.
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