- Valor Econômico
Para economista, país tem que pensar no
longo prazo, inclusive do ponto de vista sanitário
O neoliberalismo está morto? Qual seria a
política econômica mais adequada para o Brasil na pós-pandemia?
Claro que os neoliberais respondem “não” à
primeira pergunta. À segunda sugerem continuar com as reformas para reduzir a
interferência do Estado na economia e a manutenção da austeridade fiscal,
condição essencial para que os agentes econômicos tomem decisões de investir no
país e, com isso, promover desenvolvimento.
Sabemos de cor essa receita, dominante no
país. Por isso, o articulista fez as duas perguntas e outras cinco a uma
respeitada economista da academia, não ligada ao mercado financeiro, Rosa Maria
Marques, professora titular da PUC de São Paulo.
“Não,
o neoliberalismo não está morto de forma alguma”, respondeu a economista. “O
fato de diferentes governos, independentemente de seu viés político e
ideológico, terem aumentado o gasto público durante a pandemia e terem se
preocupado em manter a liquidez não implica o sepultamento. O momento da
pandemia e seu impacto na atividade exigiram que governos assim procedessem. Na
crise de 2007/2008, não foi diferente. Não há como enterrar o neoliberalismo e,
ao mesmo tempo, manter a total dominância do chamado capital financeiro na
determinação das relações econômicas e sociais.”
Sobre a política econômica pós-covid, Rosa Marques observa: “A pandemia, além de ter aumentado o número de brasileiros em situação de pobreza extrema, destruiu emprego formal e informal, fechou pequenas e médias empresas e afetou de maneira desigual as cadeias produtivas. Não há como desconsiderar a necessidade de apoiar os segmentos que foram mais afetados enquanto as marcas da pandemia estiverem presentes. É claro que a política econômica não deveria se restringir a isso. É preciso pensar no longo prazo, inclusive do ponto de vista sanitário, dado que nada nos assegura que essa será a última pandemia que vai provocar tal nível de letalidade, exigindo a paralisação das atividades socioeconômicas. A extrema dependência do país à especialização da China e da Índia revela quão importante seria investir na recuperação da capacidade do país em pesquisa, desenvolvimento e na fabricação na área da saúde”.
Valor: Dani Rodrik escreveu que a
resposta certa para qualquer política econômica é “depende”. Disse que há um
tempo para a expansão fiscal e outro para a contenção. Que há um momento para o
governo intervir nas cadeias de abastecimento e outro para deixar os mercados à
sua própria sorte. Que às vezes os impostos deveriam ser baixos, às vezes,
altos. Que o comércio deveria ser mais livre em algumas áreas e regulamentado
em outras. Concorda com esse raciocínio? Qual momento é o atual para o Brasil?
Rosa Marques: Esse
“depende” está relacionado ao momento do ciclo econômico. A leitura tem como
fundamento Keynes, que propunha a intervenção do Estado para fazer frente ao
ciclo decorrente da instabilidade do investimento. Esse “depende” atesta que
economia não é uma ciência exata, e sim social, de modo que não há verdades
incontestes nesse campo. A adoção de políticas e “verdades” tão opostas em
momentos diferentes do capitalismo no século XX e neste início do século XXI
indica que são os interesses que ditam seu reconhecimento, a depender de como
as forças sociais atuem. Esses interesses, que podem se expressar no plano
nacional, são relativos aos grandes grupos oligopolizados no plano mundial, que
atuam na esfera produtiva, comercial e financeira.
Valor: As reformas que vêm sendo feitas no
Brasil nos últimos quatro anos foram corretas? Teto de gastos, por exemplo, não
trava o crescimento?
Rosa Marques: O que foi
feito no Brasil não tem paralelo no mundo. Em nenhum lugar congelou-se o gasto
fiscal por tanto tempo [revisão em dez anos]; em nenhum lugar foram
considerados os gastos sociais como objeto de congelamento e excluídos os
serviços da dívida pública; em nenhum lugar inscreveu-se o regime fiscal na
Constituição do país. A EC 95, ao congelar o gasto, abriu a temporada de guerra
entre os ministérios e programas. Em quatro anos, o efeito destrutivo desse
congelamento está escancarado: desfinanciamento do SUS, sucateamento do ensino
público, especialmente das universidades e institutos de pesquisa, entre outras
áreas tão importantes quanto essas. E o investimento público vai ladeira
abaixo. Estamos vendo a franca destruição do Estado brasileiro. E, sem ele, não
há como desenvolver o país. A presença indutora do Estado é condição
absolutamente necessária.
Valor: Qual deveria ser a linha da
reforma tributária, sobre a qual parece haver consenso?
Rosa Marques: Destaco
quatro aspectos, todos há muito defendidos por vários setores da sociedade:
tornar o sistema mais progressivo, isto é, desonerar as famílias, reduzindo o
imposto sobre o consumo e instituindo maior progressividade no Imposto de
Renda; taxar grandes fortunas; taxar lucros e dividendos; e revisar isenções
existentes, que são renúncias fiscais. Curiosamente, a taxação de grandes
fortunas, que era uma proposta vista como radical, própria de uma “esquerda
irresponsável”, hoje está sendo encaminhada por governos sobre os quais não
paira dúvida a respeito de sua “seriedade”.
Valor: A desidratação dos bancos
públicos, especialmente do BNDES, é positiva para a economia?
Rosa Marques: A existência
do Banco do Brasil, da Caixa e do BNDES foi fundamental na história do país. É
preciso restituir sua capacidade de apoiar e de fomentar as atividades
econômicas, da pequena à grande empresa. Para que isso ocorra, seria necessário
pensar que o Estado tem um papel a cumprir para que o país se desenvolva. Mas
esse pressuposto e, portanto, a manutenção do papel histórico dessas
instituições contrariam o pensamento da atual equipe econômica do governo.
Valor: Como avalia o desempenho do
Banco Central nos últimos cinco anos e a decisão de dar “independência” à
autoridade monetária?
Rosa Marques: Pergunto-me se, na prática, já não era independente, isto é, se já não funcionava apenas sancionando a tendência expressa pelo chamado “mercado”. Isso é indicativo da dificuldade de se fazer política monetária quando o capital financeiro se impõe poderoso, dado que lhe foi concedida liberdade quase total para entrar e sair de suas posições, inclusive dos países nos quais estejam realizando suas aplicações.
Nenhum comentário:
Postar um comentário