- Folha de S. Paulo
Vladimir Marques não sabe bem se é vermelho ou cristão, sabe que apoia a Frente Ampla
Vladimir Marques votou em Roberto Freire, então do PCB, em 1989, e em Fernando Henrique Cardoso, do PSDB, em 1994. E em Lula, do PT, em 2002.
Devoto da ideia de “a cada um de acordo com
suas necessidades, de cada um de acordo com suas possibilidades”, embora ateu
fica confuso quando lhe dizem que a máxima é cristã, porque regime algum na
história da humanidade a exerceu na prática com democracia.
Neste Brasil em que formadores de opiniões se dizem “liberais” ou “democratas radicais” —e são capazes de fazer listas para boicotar “comunistas” como Luiza Trajano ou Delfim Netto ou, ainda, apoiar presidente que idolatra torturadores—, Marques tem dúvida sobre que aspas cabem melhor nele.
Apesar disso, viu luz no fim do túnel
quando soube do encontro
entre os ex-presidentes FHC e Lula, antigos companheiros na luta pela
redemocratização brasileira e adversários desde a volta das eleições diretas no
país.
Não foram poucas as estocadas de um no
outro, e do outro no um, enquanto tucanos e petistas disputaram o Palácio do
Planalto.
Verdade que, Marques observa, nenhum dos
dois jamais fez o elogio da tortura, nem se recusou a comprar vacinas, ou fez
piadas com quase 500 mil mortes.
Divergiram, e divergem, sobre
privatizações, papel do Estado e outras questões importantes. Jamais sobre
processos civilizatórios, como o genocida que os destrói —e infelicita a
maioria dos brasileiros.
Marques entendeu, diferentemente dos que
ainda não se arrependeram para valer do voto em 2018, o sentido do encontro dos
dois mais longevos presidentes eleitos de nossa história.
Ele sabe não ter havido rendição
alguma de FHC, apenas sua redenção em relação ao mutismo de 2018, o mínimo
exigido de um estadista.
Um verdadeiro liberal jamais teria cometido
a hilária “lista do Constantino”, ou um democrata radical nunca seria cúmplice
de fã de Brilhante Ustra, além de babar ovo para o que há de pior na extrema
direita tupiniquim.
Ao contrário, até um conservador, como
Winston Churchill, sempre
citado pelos hipócritas como exemplo, diria sobre o inominável o que disse
um dia sobre o belzebu: “Se Hitler invadisse o inferno, eu faria ao menos uma
referência favorável ao demônio no Parlamento”.
Desnecessário dizer que Lula não só está
longe de ser o diabo como foi quem deixou a Presidência da República com quase
90% de aprovação, um espanto.
Quando Vladimir Marques, perplexo diante da
situação causada pelo surto de histeria coletiva que assolou o Patropi, vê
tantas biografias irremediavelmente enterradas, ele, embora adepto de soluções
à esquerda do Partido dos Trabalhadores, deixa de ter dúvidas.
Diz que contra o terrorista posto para fora
do Exército por planejar explodir o aqueduto de Gandu para o Rio de Janeiro
ficar sem água, votaria até em João Amoêdo, o presidente do Novo cujas ideias
são todas opostas às dele, mas sem as mãos sujas de sangue, sem práticas
fascistas, até onde se sabe distante das milícias.
Marques já viveu bastante e ainda procura
manter o bom humor: “Vi tanta barbaridade cometida para afastar o risco do
comunismo no Brasil que, se dá próxima vez em que o PT vencer, não implantar o
regime, eu nunca mais votarei nele”, diz, sorridente.
Por enquanto, Marques se satisfaz em ser a favor de uma frente ampla, tão ampla, até doer.
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