- Folha de S. Paulo
Antes da internet, duas formas combater
ideias idiotas eram ignorá-las ou ridicularizá-las
"Censura" é uma palavra
polissêmica. Não é incomum que alguém que tenha a sua opinião contestada,
ridicularizada ou apenas ignorada proclame ser vítima de censura. Não sou
fiscal de palavras, mas, se quisermos ser tecnicamente rigorosos, deveríamos
reservar o termo "censura" para situações em que o poder do Estado é
usado para calar um cidadão.
De modo análogo, "liberdade de
expressão" designa o direito que as pessoas têm de dizer o que pensam sem
sofrer consequências penais, não o acesso garantido a megafones. Jornais,
rádios e TVs nunca tiveram a obrigação legal de dar espaço a todos os que
desejassem aparecer.
Essas conceituações já bastam para mostrar que não faz sentido a proposta do governo Bolsonaro de baixar um decreto impedindo redes sociais de eliminar postagens em páginas que estejam ao alcance do público. A mesma noção de liberdade que respalda o direito do indivíduo de dizer o que pensa fundamenta o direito de empresas e editores de escolher as ideias às quais darão visibilidade.
Isso nos leva a um interessante dilema
social. Duas das formas mais efetivas de combater ideias idiotas são ignorá-las
ou ridicularizá-las. Como observou o filósofo Henri Bergson, o medo de
tornar-se objeto do riso alheio faz com que o indivíduo reprima suas
excentricidades. A internet mudou isso.
Na segunda metade do século 20, alguém que
sustentasse uma tese estapafúrdia, como a de que a Terra é
plana, estava condenado a ser escarnecido. Nas primeiras décadas do
século 21, ele é capaz de encontrar, via rede, uma comunidade de pessoas que
pensa o mesmo. Não se sente mais ridicularizado e pode até ver-se estimulado a
converter terceiros.
No caso da Terra plana, é óbvio que estaríamos mais bem servidos se essa ideia morresse no nascedouro. O problema é que o mesmo mecanismo também serve para excluir ideias boas, mas novas, e para manter grupos minoritários marginalizados.
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