- O Globo
‘Uh!
É Pazuello!’ Assim gritavam — ante a chegada do ex-ministro da Saúde — os
patriotas aglomerados no Aterro do Flamengo para ouvir a pregação de Bolsonaro.
O general, também ele motoqueiro, não poderia perder a oportunidade de formar
naquele bonde. E que esculacho então deu no Supremo Tribunal Federal, no Senado
da República e no Exército de Caxias.
Sobre o carro de som, apostava num habeas corpus da acomodação.
Um cálculo bastante fácil, a serviço que esteve — como militar — de um governo
militar. Ora, cumprira a missão. Não o deixariam só. Esculacho no Exército de
Caxias? Talvez não. Antes de subir à ribalta, decerto pensou no que se passara
a Hamilton Mourão quando de seus discursos golpistas — nada, senão a fama que o
levaria à Vice-Presidência. E não lhe terá escapado que o próprio Bolsonaro
comandaria, em 2021, um governo de generais a seu inteiro dispor mesmo depois
de haver conspirado — 34 anos antes, sem qualquer punição à vera — contra a Força.
Esculacho no Exército de Caxias? Não. Pazuello lançara-se ao microfone — sem o menor receio de rasgar os códigos militares — porque encorajado pela história e, mais recentemente, pela partidarização do Exército a partir de Villas Bôas. Aí está. O recado chega, chegou, no guarda da esquina; de modo que o menor dos perigos seria um general "penalizado" com a reserva e livre para se candidatar. É o que quer. Processo disciplinar a valer? Hum...
“Uh! É Pazuello!” Assim gritavam os
patriotas aglomerados no Aterro do Flamengo para ouvir a mensagem do libertador
Bolsonaro contra os tiranos governadores que nos impingiriam um lockdown só
existente na imaginação dos que dependem de forjar inimigos, o clímax de um
domingo em que o presidente liderara uma procissão — em que o mito foi o vírus
— por uma cidade depauperada pela peste.
Não era pouca gente. Bolsonaro tem base
social sólida e competitiva; é aquele que empunha a caneta e que multiplicará a
jorração de dinheiros — os orçamentos secretos — para se reeleger. (Alô,
general Ramos!) Não era pouca gente. (Em meio à qual o ministro-técnico
Tarcísio, o deslumbrado.) E não era pouca a violência. Uma linguagem sectária,
de imposição, de atropelamento, não à toa sobre rodas; o tom desde o qual o
bolsonarismo — um fenômeno reacionário com rara capacidade de mobilizar
ressentidos — já chama 2022. E que não se subestime o impacto da volta de Lula
ao tabuleiro como despertador de rejeições amortecidas. Será doente o ano que
vem brasileiro, ainda mais do que foi 2018. Todas as condições para a guerra
estão dadas; para que adversários se meçam nas ruas, no braço. A ver a forma
radicalizada como Bolsonaro — à cata de pautar novamente o debate público —
reage à CPI.
Palavras resultam. Mais tarde, no domingo
em que se aglomeraram os patriotas pela liberdade, uma parcela dos que seguiram
Bolsonaro — representativa da não pequena porção de fascistas que anima o
bolsonarismo — cercaria um jornalista, impediria que exercesse a profissão e o
veria sair no carro da polícia, como se infrator, como se detido fosse. Havia
algo como mil agentes de segurança pública designados para proteger o
presidente enquanto cometia sucessivos crimes sanitários, mas não houve um
fardado que se mobilizasse para garantir que o repórter pudesse trabalhar. Poucas
horas antes, Bolsonaro fora recebido pelo governador Cláudio Castro, que lhe
garantia o aparato para que aglomerasse em trânsito sem os riscos que
diariamente baleiam os cariocas.
Aliás, tendo o cortejo saído do que outrora
foi um Parque Olímpico, ora sabemos que a Comlurb, diante da visita do
presidente, motivou-se para podar as árvores e limpar minimamente um terreno
que, ao carioca não habitante de Brasília, tornara-se um paraíso baldio para
usufruto de criminosos. Seria o caso de agradecer a Bolsonaro, por cuja
presença faz-se conservação urbana no Rio de Janeiro? Seria decerto o caso de
cobrar do prefeito Eduardo Paes algo que não a covardia, se vige entre nós um
decreto que tipifica como infrações várias das barbaridades produzidas pelo
presidente. E aí? A alternativa sendo a desmoralização absoluta do pouco
respeito que ainda há pelas medidas restritivas. (Até o fechamento desta
coluna, ao fim da tarde de segunda-feira, da prefeitura só vinha o silêncio.)
“Uh! É Pazuello! Uh! É Pazuello!” Sobre o
carro de som, segundo a versão bolsonarista influente, estava o Pazuello herói,
aquele que, mesmo com um habeas
corpus, preferiu encarar os senadores e falar à CPI. No mundo real:
usara e abusara do habeas
corpus para distorcer e dissimular. Poderia ficar calado, mas
lhe era dado também mentir — tinha o salvo-conduto para não ser preso. E
mentiu. Um general da ativa que pretendeu enganar o Senado. Mas de cujos
embustes — enquanto tentava tirar peso do método de difusão bolsonarista, como
se a manipulação da linguagem em rede pelo presidente fosse algo irrelevante,
inconsequente e mesmo à margem dos rigores da República — sairia a precisa
captura do escorregadio modo de expressão de Bolsonaro: “coisa de internet”.
Palavras resultam. O ataque fascista ao jornalismo — o assalto que interditou a um repórter o direito de trabalhar — é produto da “coisa de internet”; o código por meio do qual o presidente dispara comandos e sopra apitos, e que serve tanto para interromper convênios destinados à aquisição de vacinas quanto para cultivar ódios.
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