Raul Jungmann diz ser ‘inaceitável’ que ex-ministro, que é general da ativa, tenha ido a um ato político e afirma que Bolsonaro ‘vem constrangendo as Forças há bastante tempo’
Marcelo Godoy / O Estado de S. Paulo
Ex-ministro da Defesa no governo Michel Temer, Raul Jungmann enfrentou uma crise
no Exército quando o general Hamilton Mourão, então secretário de
Economia e Finanças do Exército, resolveu discorrer sobre “aproximações
sucessivas” e criticar o governo. Acabou afastado. Na reserva, filiou-se
ao PRTB e
compôs a chapa vitoriosa com Jair Bolsonaro. Jungmann não vê
paralelo entre esse episódio e o que envolveu o general Eduardo Pazuello ao
comparecer a comício do presidente Jair Bolsonaro no fim de semana.
“A responsabilidade maior do que se passou é do presidente da República, que é
o comandante supremo das Forças Armadas.” Leia, a seguir, trechos de sua entrevista.
A ida do general Pazuello a um evento
político-partidário pode ser comparada aos problemas que o senhor enfrentou na
Defesa?
O caso do Mourão (general Hamilton Mourão,
atual vice-presidente) aconteceu em uma palestra, em um evento que de forma nenhuma
tinha caráter político-partidário. Eu tive a colaboração e participação do
general Eduardo Villas Bôas e do general Etchegoyen (Sérgio, então
ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional) para encontrar uma
solução, que foi dada pelo comandante Villas Bôas e teve o meu apoio. Ele
(Mourão) era da Secretaria de Economia e Finanças, e Villas Bôas o colocou à
disposição da secretaria-geral. Foi um caso diferente.
O senhor acredita, a exemplo de
oficiais-generais que se manifestaram, que o Comando tem de tomar uma
providência a respeito de Pazuello?
Não existe outro caminho, embora a responsabilidade maior do que se passou seja do presidente da República, que é o comandante supremo das Forças Armadas. Eu acho que se está fazendo uma cobrança que, aliás, é legítima e deve ser feita, porque o general Pazuello feriu o Regulamento Disciplinar do Exército e um dos fundamentos de qualquer força armada, que é a disciplina. Não se pode admitir que as Forças Armadas, por meio de seus membros, em sendo instituição de Estado, como se encontra no artigo 142 da Constituição, tenham atitudes políticas ou de governo. Diante disso é cabível uma sanção ao general. Mas eu acho que é preciso lembrar que esse ato e a convocação dele para que tomasse a palavra foram feitos pelo presidente da República, a quem cabe zelar pela hierarquia e disciplina das Forças Armadas.
Qual é exatamente o papel do presidente
nesse episódio?
O presidente da República vem constrangendo
as Forças há bastante tempo para endossar os seus atos no embate com o Supremo
Tribunal Federal, com o Congresso e com os governadores. Na medida em que as
Forças, por meio de seus comandantes, não aceitaram essa vontade do presidente,
os ex-comandantes foram destituídos. Eles eram insubordinados? Não. Eles
cometeram alguma lesão à lei e à Constituição? Não. Era ineficientes? Não. Eles
tinham feito qualquer tipo de desvio? Não. Eram todos homens probos e decentes,
com meio século de serviços prestados à Nação e foram demitidos sem nenhuma
explicação. Portanto, um ato político, porque não se dobraram à vontade do
presidente. Conheço todos. Foram sacrificados, ceifados, porque disseram não ao
presidente e sim à Constituição. Esse é mais um gesto que busca comprometer as
Forças Armadas e por isso acredito que elas, mais uma vez, vão dizer não aos
processos de constrangimento e de comprometimento delas com a Presidência da
República. Elas ficam com a Constituição, com a disciplina e a hierarquia, que
são seus fundamentos. Pazuello errou, mas é preciso conjugar o verbo no plural:
erraram. E, evidentemente, o erro maior compete à maior autoridade, que mais
tem de zelar e mais erra quando não o faz.
Qual o impacto desse comportamento para os
militares?
Há um constrangimento e, mais do que isso,
cria-se uma situação política absolutamente desnecessária e indesejável. É
preciso que as forças democráticas e seus líderes façam a defesa da disciplina
e da hierarquia, ou seja, do próprio Exército. É preciso que, no âmbito da
sociedade ou do Congresso ou das lideranças, seja dado um enfático respaldo à
hierarquia e disciplina das Forças e, nesse caso, especificamente ao comandante
do Exército, general Paulo Sérgio. É preciso que todos se pronunciem dizendo
que esse é um limite intransponível em um regime democrático, onde instituições
de Estado não se confundem com as funções de governo. Um Exército tem por razão
de ser a defesa da nação, portanto, a defesa de todos. Ele não se confunde com
o governo de forma nenhuma. O governo, dentro de um regime democrático, com a
alternância que tem de ter, a ele compete a administração do Estado, mas não se
confunde com o Estado, que é instituição permanente e sobre a qual repousam a
própria soberania e a ideia de país e de nação. E as Forças Armadas fazem a
defesa de todos, do povo e não de alguns ou de uma maioria eventual que se
encontra representada no governo. Por isso é inaceitável o que se passou.
Qual é o caminho agora? A abertura de uma
apuração disciplinar, apresentação de defesa pelo investigado e a decisão final
do comandante?
Sim, é isso. Isso compete privativamente ao
comandante do Exército, podendo ele ouvir ou não o Alto Comando.
Há quem defenda a necessidade de se
submeter os militares às mesmas regras que atingem outras carreiras de Estado,
como magistrados e procuradores. O senhor acha que existe necessidade de ir
para a reserva ou deixar a carreira quando se vai fazer parte de um governo?
Eu tenho falado e repetido que isso é uma
falha do Congresso Nacional. Este deveria, ouvindo a sociedade e os militares,
estabelecer restrições e limitações à participação de militares da ativa no
Executivo. Na medida em que o Congresso não exerce a sua responsabilidade
constitucional fica uma situação em que os comandantes militares não têm
nenhuma legislação que impeça esse emprego de militares da ativa em funções do
Executivo. Isso deveria ser objeto de lei, ser regulamentado e, como não
existe, o presidente pode até pegar o Alto Comando das três Forças e colocar no
Executivo, o que é um absurdo. Muito se fala dos militares e não se observa que
neste caso há um déficit do Poder Legislativo. Em outros países essa
regulamentação está dada, é rigorosa e obedecida. No Brasil, ela inexiste. A
rigor, o comandante, diante da solicitação do comandante supremo, não dispõe de
qualquer tipo de legislação para que ele possa se guiar para responder à
solicitação do Executivo. Se pôde ir o Pazuello, poderia ir qualquer general e
quantos o comandante supremo resolver solicitar.
Qual o impacto disso para as Forças
Armadas?
Considerando o tempo de formação, o investimento feito nesses oficiais para funções de defesa da nação, é um imenso desperdício de recursos e abre brechas e portas para uma politização da Força. Há postos no Executivo, que são poucos, que poderiam ser exceções para militares da ativa, como a Casa Militar, hoje não existe isso. A regra é: solicitou, é cedido ao Executivo, o que é um desserviço à formação profissional e, sobretudo, ao alinhamento com as funções de Estado das Forças Armadas. Militares da ativa só em casos excepcionais deviam ser nomeados.
Nenhum comentário:
Postar um comentário