- Folha de S. Paulo
Surpreende ver quanto o ministro está
disposto a abrir mão para seguir no poder
Estava eu lavando a louça depois do almoço
de sábado quando me ocorreu a dúvida: “Por onde andará Paulo Guedes? Onde foi
parar?” Eis
que o encontrei na Folha de segunda, numa longa entrevista.
Nela, vemos o mesmo Guedes de sempre: ótimo
com as palavras, otimista, ambicioso. O Brasil de seu discurso navega de vento
em popa, faz reformas, cresce e é a inveja do mundo. Até a Amazônia vai bem.
“Aí
vem o terceiro ano [de governo], e vamos surpreender de novo.” Espera; por
acaso alguém ficou surpreso com o desempenho do Brasil nos dois últimos anos?
Corrijo-me: alguém ficou positivamente surpreso?
Eu entendo a
situação difícil de Guedes. Dificilmente o liberalismo será uma ideologia
de massas. É a sina de quem, em vez de prometer utopias, impõe limites —ao
gasto, ao poder dos governantes, à vontade da maioria.
Por isso, a melhor aposta de liberais é trabalhar junto de diferentes governos, deixando um legado positivo. Collor, Itamar, FHC e Lula: todos tiveram contribuições decisivas de ministros ou secretários liberais. Abertura comercial, Plano Real, Lei da Responsabilidade Fiscal, Bolsa Família. Dilma, quando a crise apertou, chamou Joaquim Levy para tentar colocar ordem na casa, sem sucesso.
Não tenho dúvidas de que o governo
Bolsonaro é um pouco menos ruim graças a Guedes e sua equipe. Foi melhor ter
a reforma
da Previdência em 2019 —mesmo com os privilégios dos militares— do que
não ter nada. Imagine o bolsonarismo sem Guedes.
A imbecilidade, truculência e incompetência
seriam as mesmas, mas sem nenhum aceno na direção da responsabilidade fiscal;
pelo contrário, gastando até não poder mais para retomar a antiga visão
desenvolvimentista da ditadura militar.
Ao mesmo
tempo, a equipe da articulação política, Rogério Marinho e outros,
livres para azeitar as relações com o Congresso. Admitamos que, mesmo com ele,
já está basicamente assim. Mas ele segue tentando.
Ou tentava. Agora não tenta nem mesmo
disfarçar: a estratégia do momento é gastar mais e/ou melhor para vencer as
eleições. É claro que Bolsonaro não vai querer cortar de um lado para favorecer
outro; tirar
do pobre para ajudar o paupérrimo.
Aliás, não só do pobre; nem dos ricos e dos
grupos privilegiados ele tem coragem de cortar. Toda a inteligência de Guedes e
sua equipe servirá para bolar soluções criativas para que o aumento de gastos
caiba no emaranhado de regras fiscais vigentes.
Aquilo que não foi abandonado sem maiores
cerimônias (alguém se lembra da agenda de abertura comercial?) foi ou mutilado
até a potência mínima ou, pior, cooptado pela velha política do centrão, aliado
do governo. Assim, a Câmara
aprovou na semana passada uma privatização da Eletrobras em que os
subsídios, as obrigações de compra em termelétricas e outros jabutis mais do
que superam os ganhos esperados da privatização.
Se na fala do próprio ministro,
notoriamente hiperbólica, dada a pintar ganhos trilionários para todo lado, o
“grau de adesão do presidente à agenda econômica” já caiu de 99% para 65%, imagine
o grau real.
Por algum motivo insondável, liberais (não todos, não todos!) e traders da Faria Lima decidiram embarcar em peso no projeto de um político fisiológico do centrão que ficou famoso defendendo tortura, esquadrões da morte e violência física contra homossexuais. A única surpresa nessa história a essa altura é constatar quanto Guedes está disposto a abrir mão para continuar no poder.
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