- O Estado de S. Paulo / The Washington Post
Esquerda tem vitórias em Israel e nos EUA,
mas precisa de atenção para não voltar a dar espaço a oportunistas.
Em 2017, um ex-banqueiro do Goldman Sachs
lançou um aplicativo de namoro chamado Hater, projetado para conectar pessoas
de acordo com ódios que compartilham. Não durou.
Isso não é um bom presságio para a coalizão
estabelecida para formar um novo governo em Israel, já que o fator de unificação
da aliança vai pouco além do ódio que os integrantes compartilham em relação ao
primeiro-ministro Binyamin Netanyahu. Com certeza trata-se da mais estranha
coalizão da história da política moderna, reunindo partidos à direita de
Netanyahu, o centro e até, pela primeira vez, uma legenda que representa
árabes-israelenses. Um grupo tão heterogêneo seria capaz de se manter unido?
Efetivamente, isso é possível. Na verdade,
os partidos foram unidos por mais do que apenas aversões pessoais a Netanyahu.
Eles parecem estar genuinamente preocupados a respeito dos abusos de poder e da
deterioração da democracia israelense durante seu governo. Lembre-se de que o
primeiroministro é indiciado por três casos de corrupção, processado pelo
próprio procurador-geral que escolheu a dedo. Elementos da direita que eram
aliados de longa data romperam com Netanyahu por achar que ele estava
subjugando a democracia de Israel.
Mas isso não significa que essas pessoas
estejam dispostas a romper com a maioria das políticas de Netanyahu. A esquerda
não tem força suficiente na coalizão e, de maneira geral, as mais recentes
eleições aumentaram a força da extrema direita. Fundamentalistas religiosos e
colonos israelenses estão agora com a maior representação na Knesset que já
tiveram.
Há um paralelo aqui com a eleição de 2020
nos Estados Unidos. Mesmo que a votação tenha representado um repúdio a Donald
Trump – a maioria dos presidentes consegue se reeleger – o processo eleitoral
não representou um repúdio ao trumpismo. O Partido Republicano, agora
totalmente sob influência do populismo trumpista, ganhou assentos na Câmara dos
Deputados. A revista Politico descreveu o desempenho dos democratas nas
disputas estaduais como “abismal”. Apesar dos milhões de dólares que gastaram
para vencer nas assembleias estaduais do Arizona, Flórida, Carolina do Norte e
Texas, essas legislaturas permaneceram firmemente sob controle republicano.
Como resultado, os republicanos conseguiram uma vantagem desproporcional na
reformulação dos distritos eleitorais, o que ajudará seu partido a manter o
poder durante a próxima década.
Populistas têm governado mal quase todos os países em que chegaram ao poder, mas seus movimentos, apesar disso, não sofreram derrotas contundentes. A Itália tem um novo governo liderado pelo impressionante tecnocrata Mario Draghi, mas ele não foi legitimado pelos eleitores. Justin Trudeau e Emmanuel Macron, dois políticos antipopulistas que pareciam estar prosperando, tomaram surras políticas. O índice de aprovação de Trudeau caiu para 41%, e sua desaprovação está em 55%. Pesquisas na França mostram uma disputa apertada entre Macron e a candidata da extrema direita, Marine Le Pen, na próxima eleição.
Por que a direita populista ainda é tão
robusta? É importante que a esquerda examine seriamente essa questão. Gente
demais acredita que a eleição de Trump foi uma casualidade, que ele não passa
de uma celebridade que encontrou maneiras de manipular a mídia. Parte disso
pode ser verdade, mas como explicar esse fenômeno muito maior? Na verdade, as forças
que trouxeram o populismo à tona são amplas e profundas, representam novas
realidades da política – uma ascensão da importância dada a identidade
cultural, oposição à imigração, desacordo com o multiculturalismo e o
liberalismo social e um profundo ressentimento de classe contra elites
intelectuais. Repare que muitas pessoas nos EUA (e em partes da Europa) parecem
determinadas em não tomar a vacina contra uma doença mortífera porque não
conseguem confiar nas elites médicas e nos governantes de suas sociedades!
Qual a melhor maneira de lidar com a
direita populista? Provavelmente a maneira com a qual o presidente Joe Biden
está lidando. Aproximar-se e trabalhar com essa gente, mas sem deixar que isso
o impeça de avançar com grandes programas que ajudam as pessoas – e mostrar que
você é capaz de grandes feitos. E esperar que suas ações falem mais alto do que
a barulhenta gritaria da direita populista.
Mas a maior força de Biden pode residir no
que ele não está fazendo. Ele não está falando a respeito dos livros do Dr.
Seuss nem do Globo de Ouro, em geral se mantém afastado dos sucessivos
episódios da guerra cultural. Ele está dando passos lentos e moderados no
sentido da reforma imigratória, ciente de que o assunto poderia facilmente
desencadear reações negativas. Quando o site de notícias Vox questionou o
veterano estrategista democrata James Carville a respeito dos primeiros 100
dias de Biden, ele ressaltou que a maior qualidade do presidente era aquilo que
ele não faz – Biden não se envolve em “politicagem da sala de professores”, que
significa tratar de assuntos com linguajar incomum e incompreensível para a
maioria das pessoas. “Grande parte do país nos vê como um partido urbano,
arrogante, e muita coisa é submetida a esse filtro. Isso é um problema real que
prejudica a marca do partido.”
A esquerda está se deleitando com as recentes vitórias, dos EUA a Israel. Mas, se não aprender as lições certas e exagerar na dose, esse sucesso poderá se revelar extremamente breve./Tradução de Augusto Calil
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